201401.08
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TJ-SP anula vendas de imóveis em terrenos contaminados

Em agosto, quando estava prestes a emitir a escritura de dois apartamentos comprados na planta, um cliente do advogado Ricardo Trotta descobriu que o terreno onde foi construído o empreendimento, na capital paulista, estava contaminado. Nas matrículas dos imóveis constavam uma observação da Prefeitura de São Paulo sobre a contaminação do lençol freático do terreno. O problema não havia sido comunicado pela construtora aos clientes.

Segundo o advogado, o fato comprometeu o valor de mercado dos imóveis, que foram “renegociados” com a construtura após inúmeras reuniões e ameaças de processo judicial. Ao fim das discussões, o investidor ficou com apenas um apartamento e ainda o trocou por outro em local não contaminado.

Situações como essa, cada vez mais comuns no Estado de São Paulo, têm motivado consumidores a buscar no Judiciário uma solução para a questão, que tem como pano de fundo o boom imobiliário dos últimos anos e o elevado número de áreas contaminadas no Estado. Até dezembro, segundo a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), havia 4.752 áreas contaminadas, das quais 1.539 estavam na capital.

Na Justiça, as decisões têm sido favoráveis aos compradores. Empresas que construíram em áreas contaminadas têm sido obrigadas a devolver o dinheiro da compra e, em alguns casos, a pagar indenizações por danos morais e materiais quando o problema não foi previamente comunicado. Em pelo menos quatro processos julgados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), construtoras e incorporadoras foram obrigadas a rescindir contratos e a ressarcir compradores.

Em setembro, a 9ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP condenou uma incorporadora e uma cooperativa a romper um contrato de compra e venda de um imóvel e a devolver o valor corrigido das prestações pagas pela aquisição do bem. O projeto foi embargado por determinação da Prefeitura de Campinas em razão da contaminação da área, onde anteriormente funcionou uma indústria química.

A obra sofreu atrasos e, por consequência, a entrada de novos interessados na compra dos apartamentos foi prejudicada, o que afetou a projeção financeira do empreendimento. Apesar de alegar que a descoberta ocorreu durante a construção de uma das torres do empreendimento e que, portanto, não teria ocorrido má-fé ou irresponsabilidade, o tribunal entendeu que a construtora e a cooperativa, que financiou a construção, seriam as responsáveis pela escolha do terreno. Sendo assim, deveriam arcar com todas as suas consequências.

Em um processo mais antigo, de 2011, a 4ª Câmara de Direito Privado do tribunal determinou a rescisão do contrato, com devolução dos valores pagos corrigidos, e concedeu indenização por dano moral a um casal. Os noivos, que adquiriram um imóvel na planta, tiveram o sonho da casa própria frustrado após o casamento. O prédio não chegou a sair do chão, pois a obra foi embargada após a constatação de contaminação pelos órgãos ambientais. Pelas angústias e desgastes vivenciados pelo casal, o tribunal fixou o dano moral em R$ 12 mil.

O advogado Ricardo Trotta, sócio de escritório que leva seu nome, entende que em situações como essa o consumidor sempre terá direito à rescisão contratual, com a devolução dos valores pagos, e dano moral. “Muitas vezes o consumidor adquire um bem imaginando que seja novo, mas que se trata ou de uma área recuperada ou com problemas em potencial”, diz.

O advogado Cristiano Zanin Martins, do escritório Teixeira, Martins & Advogados, afirma que hoje a jurisprudência do TJ-SP – quando se trata da relação entre consumidor e construtora – tem reconhecido que há um inadimplemento da empresa e aceitado a rescisão do contrato, com devolução do montante já pago, ou abatimento do preço final do imóvel, de acordo com a vontade do consumidor. Segundo ele, isso se aplica quando não é observado o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que estabelece a plena informação ao cliente. Há também, a depender do caso, a fixação do dano moral e dano material quando comprovada a existência de prejuízo.

Na transação comercial entre particulares, o advogado afirma que o tribunal tem mandado suspender o pagamento da venda ou a realização de depósito judicial até o julgamento do mérito. A discussão, ao que tudo indica, ainda não chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) pois, segundo Martins, as construtoras têm preferido rescindir os contratos e tentar uma nova venda, do que reduzir o valor original do imóvel para o consumidor adquirente. “A redução de valores afeta toda a programação da construtora e a equação econômico-financeira do empreendimento”, afirma.

A advogada Anna Maria Godke de Carvalho, sócia do escritório Godke, Silva e Rocha Advogados, diz que a checagem da contaminação do solo por pessoa física que adquire um imóvel é complicada quando ainda não existe um problema, pois seria necessária a contratação de empresa especializada para avaliar a situação do terreno. Segundo ela, se já existe algum problema, é possível verificar na Cetesb se há o registro daquela área como de risco.
Fonte:Valor Econômico, por Zínia Baeta