Teoria De Perda De Chance é Aplicada a Erro Médico
Um oncologista que não teria oferecido tratamento adequado a uma paciente com câncer de mama, que morreu em consequência da doença, foi condenado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) a indenizar a família em R$ 96 mil. É a primeira vez que a Corte aplicou a um caso de erro médico a chamada teoria da “perda de uma chance”.
A tese não está em nenhuma lei, mas presente em uma doutrina que se baseia em princípios do Código Civil. O argumento, porém, só é aceito se a parte demonstrar, de forma objetiva, a grande probabilidade de o evento não ter ocorrido por culpa de terceiro. No processo julgado, os ministros da 3ª Turma foram unânimes ao entender que a paciente teria grandes chances de se curar ou de ter uma melhor qualidade de vida se o médico tivesse aplicado o tratamento considerado indicado para esses casos.
Até então, o STJ só tinha aplicado a teoria a situações consideradas clássicas pela doutrina – originada na França na década de 60. Nesses casos, há um dano patrimonial aparentemente comprovado de que a pessoa foi impedida de ganhar algo.
A Corte já reconheceu, por exemplo, o direito à indenização a um candidato impedido de participar de concurso público. Também garantiu reparação a um candidato a vereador do município de Carangola (MG) derrotado ao ter sua margem de votos reduzida após uma rádio local plantar notícia falsa na véspera da eleição. O STJ ainda mandou indenizar o participante de um programa de TV de perguntas e respostas, que quase alcançou o prêmio de R$ 1 milhão. Ele foi prejudicado pela imprecisão da última questão.
A nova decisão da Corte, responsável por dar a última palavra sobre a aplicação do Código Civil, confirma que a teoria da perda de uma chance pode ser aplicada a todas as áreas do direito, segundo o professor de direito civil da Universidade Federal da Paraíba, o advogado Adriano Godinho. Não somente quando envolvem perdas financeiras. “A teoria não foi pensada para ser aplicada apenas a casos restritos, mas em qualquer tipo de relação humana em que se possa provar que a pessoa retirou de outra uma oportunidade”, diz.
O entendimento abre precedente para que vítimas de erro médico busquem indenização, quando suas chances de cura foram reduzidas pela adoção de procedimento incorreto, o que pode gerar um grande número de ações. “Caberá aos tribunais e ao STJ balizar quando isso deverá ser aplicado, para evitar abusos”, afirma Godinho. Para o advogado, contudo, o STJ foi muito cuidadoso ao julgar esse caso, pois o dano causado pelo profissional foi comprovado pela perícia e elencado na decisão.
A relatora, ministra Nancy Andrighi, descreveu no seu voto todas as imprudências que teriam sido cometidas pelo médico. Em primeiro lugar, o profissional teria realizado uma cirurgia de retirada parcial da mama, quando o recomendado seria uma mastectomia radical, segundo os médicos ouvidos no processo, pois o tumor tinha tamanho indefinido.
O médico também teria oferecido um tratamento que reduziria a chance de cura por não ser o mais indicado à situação da paciente. Não teria solicitado ainda todos os exames necessários após a cirurgia. Por último, não teria recomendado à paciente que não engravidasse, como forma de evitar um novo aparecimento da doença.
Diante dos erros apontados pela perícia, os ministros entenderam que caberia uma indenização de 80% do valor arbitrado pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), que havia condenado o médico em R$ 120 mil.
O advogado Sérgio Savi, do escritório Castro, Barros, Sobral, Gomes Advogados, autor de um livro sobre essa teoria, afirma que, como não se tem certeza que o erro médico causou a morte da paciente, mas que apenas tirou a chance de a vítima sobreviver ou de se curar, não caberia uma indenização integral à família, somente uma porcentagem. Isso porque havia apenas chances de o tratamento adequado dar certo. Savi, porém, alerta que essa teoria não poderá ser aplicada a situações hipotéticas ou meras expectativas. “Tem que haver possibilidades concretas, como ocorreu no caso, de que poderia haver a cura”, diz.
A 3ª Turma chegou a analisar, em 2010, um outro pedido de indenização por perda de uma chance que envolvia erro médico, porém não entrou no mérito da discussão porque a Corte é impedida de avaliar provas, o que seria necessário naquele caso. Há mais um processo sobre esse tema em andamento na mesma turma. Fonte:Valor Econômico, por Adriana Aguiar