STJ julgará pontuação dada ao consumidor
Uma mensagem no site da Boa Vista Serviços, administradora do Serviço Central de Proteção do Crédito (SCPC), alerta para um problema enfrentado pelas empresas do setor: milhares de consumidores pedem na Justiça indenização por danos morais contra serviços de pontuação (score) que estimam a probabilidade de inadimplência. A discussão está na pauta do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e será definida por meio de recurso repetitivo. Antes, porém, será realizada uma audiência pública sobre o tema.
O problema levou a Boa Vista Serviços a interromper o serviço nos Estados do Sul. “Mesmo acreditando na sua total legalidade, entendeu [a Boa Vista] por bem suspender a utilização da ferramenta SCPC Score Crédito nos Estados de Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina”, diz o texto, que critica “a excessiva quantidade de demandas judiciais, orquestrada por verdadeira indústria do dano moral que utiliza os consumidores como matéria-prima”.
Só no Rio Grande do Sul tramitam cerca de 36 mil processos sobre o tema, que foram paralisados (sobrestados) à espera de uma resposta do STJ. O caso a ser analisado pelos ministros é de um consumidor gaúcho. Apesar de não possuir restrição, seus pedidos de crédito no comércio foram reiteradamente negados. A alegação era a de que não tinha pontuação suficiente. Segundo o processo, teria 553 pontos (em uma escala até mil). A recomendação do SCPC Score Crédito era de que seu caso fosse “analisado com cautela”, diante de um risco de inadimplência.
No processo, o consumidor alega que as informações que levam à pontuação são sigilosas e que não teria como contrapô-las, o que contraria o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Em primeira instância, foi determinada a exclusão de seu nome do cadastro e o pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 6,2 mil. Posteriormente, o valor foi elevado para R$ 8 mil pela 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS).
Para a relatora do caso no TJ-RS, desembargadora Marilene Bonzanini, o serviço contraria as regras do CDC sobre bancos de dados e cadastros de consumidores, previstas no artigo 43. “A falta de transparência e de clareza desta ferramenta é incompatível com os mais comezinhos direitos do consumidor. Na forma com que é utilizado o sistema, certamente gera os danos morais alegados”, diz a magistrada na decisão.
Em seu voto, a desembargadora afirma ainda que reconhecer a ilicitude do serviço não significa uma forma de proteção aos maus pagadores. “Estes já contam com seu nome inscrito nos órgãos de proteção ao crédito, cujos dados podem ser utilizados livremente pelas empresas, pelo prazo de cinco anos.”
Por meio de nota, a Boa Vista Serviços informa que, “estando a discussão formalmente encaminhada ao STJ, irá aguardar os debates e a decisão dos ministros para se manifestar”.
Tramita junto com o repetitivo outro recurso proveniente do Rio Grande do Sul, apresentado pela Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Porto Alegre. A entidade tenta derrubar no STJ decisão do TJ-RS em ação coletiva de consumo, ajuizada pelo Ministério Público Estadual. A 5ª Câmara Cível suspendeu o sistema Cresdiscore e a condenou ao pagamento de danos morais coletivos no valor de R$ 250 mil. Ainda deverá indenizar em R$ 4,5 mil cada consumidor com processo na Justiça.
Por causa dos questionamentos, a CDL de Porto Alegre também suspendeu o serviço, de acordo com o advogado Fernando Smith Fabris, que representará a entidade na primeira audiência pública a ser realizada pelo STJ, convocada pelo ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator do caso. O debate sobre a “natureza dos sistemas de scoring e a possibilidade de violação a princípios e regras do Código de Defesa do Consumidor capaz de gerar indenização por dano moral” está marcado para o dia 25.
“Vamos defender a legalidade do serviço. O argumento de que é um banco de dados oculto é fantasiosa”, diz Fabris, acrescentando que as seguradoras também fazem esse tipo de análise para estabelecer os valores dos prêmios. “O consumidor quer saber como é feito o cálculo. Mas se revelarem [as empresas] o serviço, vai ser copiado.”
O presidente da Associação Brasileira do Consumidor (ABC), Marcelo Segredo, porém, defende a tese de que o serviço é “extremamente discriminatório”. “Ninguém sabe como ele funciona, qual a metodologia de cálculo”, afirma. A entidade foi à Justiça contra o sistema “Concentre Scoring”, oferecido pela Serasa Experian. Porém, desistiu da ação após perder em segunda instância.
A 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) manteve o entendimento da primeira instância. Para o juiz Henrique Maul Brasilio de Souza, da 18ª Vara Cível da capital, “trata-se da aplicação da ciência da estatística e da probabilidade a partir de dados objetivos legalmente coletados e armazenados”. Para ele, não há ilegalidade. “Não há juízo de valor, mas apenas cálculos de probabilidade. E é o fornecedor e não a ré quem decide se determinado consumidor obterá ou não o crédito pleiteado”, afirma.
Em Cuiabá, porém, o juiz Emerson Luis Pereira Cajango, do 3º Juizado Especial Cível, decidiu de forma diversa ao conceder indenização de R$ 10 mil a uma consumidora que não conseguiu financiamento para um imóvel pela baixa pontuação no serviço oferecido pela Serasa Experian. De acordo com ele, é divulgado “de maneira mascarada, por meio de pontos (score), dados referentes ao histórico de transações, inadimplência e número de ações proposta pelo consumidor”. “Só o fato de estar inscrita em tal banco de dados, com pontuação atribuída, já implica na existência de danos”, diz.
Por nota, a Serasa Experian informa que “algumas decisões do Poder Judiciário já estão entendendo melhor o papel dos bancos de dados, cujo escopo é proteger a realização de futuros negócios envolvendo a concessão de crédito e exercer atividade de interesse da economia nacional”. E acrescenta: “As informações do escore não têm o objetivo de ser, em momento algum, prejudicial ao cidadão. Elas apenas indicam, naquele exato momento, como é a situação do consumidor no que se refere à possibilidade de contrair novas dívidas e quitá-las em dia”. Fonte:Valor Econômico, por Arthur Rosa