Restrições abusivas em virtude de pendência incluída no CADIN Municipal
Por Marcos Pires, Sócio-fundador do escritório Torres e Pires Advogados Associados
Em 6 de novembro de 2013, foi publicado no Diário Oficial do Município do Salvador, o Decreto n. 24.419/2013, cujo objetivo é regulamentar a lei municipal que criou o Cadastro Informativo Municipal – CADIN.
A bem da verdade, mais do que esmiuçar as regras legais que instituíram o CADIN, o Decreto n. 24.419/2013 restringe-se a repetir os enunciados da Lei Municipal n. 8.421/2013, quando não os afronta absurdamente.
Como abordei a pretexto da então proposta de reforma tributária, o Cadastro Informativo Municipal, a exemplo do Cadastro Informativo de créditos não quitados do setor público federal (Cadin) regulado pela Lei n. 10.522/2002, tem o objetivo de consolidar pendências de pessoas físicas e jurídicas perante a Administração Direta e Indireta do Município do Salvador, como “obrigações pecuniárias vencidas e não pagas” e “ausência de prestação de contas, exigível em razão de disposição legal ou cláusulas de convênio, acordo ou contrato”.
A criação do CADIN Municipal é importante providência de controle de créditos e de prestações de contas, aperfeiçoando o sistema de registro e publicidade das diversas pendências perante a Municipalidade.
Se por um lado revelam-se adequadas, quando apurado registro no CADIN, as restrições de celebração de convênios, acordos, ajustes ou contratos que envolvam o desembolso, a qualquer título, de recursos financeiros, de concessão de auxílios e subvenções, e de incentivos fiscais e financeiros, a Lei Municipal n. 8.421/2013 e o seu regulamento extrapolam os limites de legitimidade quando estipulam retenção de pagamentos oriundos de contrato administrativo firmado com pessoa física ou jurídica que tenha pendência registrada no aludido cadastro e também quando veda a expedição de alvarás de licença, de autorização especial, ou de quaisquer outros tipos de alvarás, licenças ou autorizações decorrentes ou não do Poder de Polícia Municipal.
Ainda que o particular tenha a obrigação de manter, durante a execução do contrato administrativo, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação, inclusive a sua regularidade fiscal, não pode a Administração reter pagamento devido em virtude de efetivo fornecimento de mercadorias ou de efetiva prestação de serviços pelo contratado.
Diante da irregularidade fiscal do particular contratado, a Administração não apenas pode como deve rescindir unilateralmente o contrato, aplicando as penalidades estipuladas pelo art. 87 da Lei n. 8.666/93 (advertência, multa, suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a dois anos; declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública).
A exigência de regularidade fiscal é modo de aferir-se a idoneidade do particular que pretende contratar com a Administração Pública, não servindo, ao menos não legitimamente, como instrumento indireto de cobrança de tributos.
Assim, absolutamente insubsistente autorizar que o registro de pendência no CADIN Municipal implique em retenção de pagamentos para o particular que já adimpliu a sua obrigação contratual principal (fornecer produtos ou prestar serviços), o que caracterizaria verdadeiro enriquecimento ilícito do Município do Salvador em prejuízo do contratado que, sem os recursos financeiros que lhe são devidos pela execução do contrato, teria seu estado de insolvência agravado, comprometendo não somente o adimplemento de suas obrigações tributárias, mas também das dívidas trabalhistas, comerciais e bancárias, inviabilizando, destarte, a própria continuidade da atividade empresarial do particular.
Demais disso, não é legítimo obstar, quando constatado o registro de pendência no CADIN Municipal, a expedição de alvarás de licença, de autorização especial, ou de quaisquer outros tipos de alvarás, licenças ou autorizações decorrentes ou não do Poder de Polícia Municipal.
São exigidas do particular diversas licenças e autorizações, através das quais a Administração Pública,“limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos” (conceito extraído do art. 78 do Código Tributário Nacional).
Por exemplo, depende de alvará de licença, conforme o art. 8°, inciso I, do Código de Polícia Administrativa do Município do Salvador, o“funcionamento de estabelecimento comercial, industrial, de crédito, seguro, capitalização, religioso, de prestação de serviço de qualquer natureza, profissional ou não, e as empresas em geral”, para o que a Administração Municipal, de acordo com o §1° do dispositivo legal acima aludido, analisará a viabilidade “da localização do estabelecimento e/ou equipamento e do exercício da atividade a ele atinente, bem como as implicações relativas à estética, higiene, limpeza pública e segurança, ao transito, ao impacto ambiental e a conformidade com a Lei do Uso e Ocupação do Solo”.
Confirmada a viabilidade da localização do estabelecimento e atestada a sua conformidade às normas administrativas constantes do Código de Polícia Administrativa relativas à higiene, poluição do meio ambiente, costumes, ordem, tranquilidade e segurança pública, impõe-se a expedição do respectivo alvará de funcionamento, oportunizando o pleno exercício da atividade empresarial.
Legítima a cobrança de taxa (Taxa de Fiscalização do Funcionamento – TFF) para a expedição do alvará de funcionamento, mas peremptoriamente abusivo o condicionamento da expedição do referido alvará (ou de qualquer outra licença ou autorização municipal) à prova de inexistência de registro no CADIN Municipal, pois caracterizado também estaria como meio indireto de cobrança de tributos.
Cumpre apontar, ainda, a absoluta contradição (talvez até mero erro material) do art. 8° do Decreto 24.419/2013, quando, em afronta direta ao art. 39 da Lei Municipal n. 8.421/2013, estipula que a inexistência de registro no CADIN não constitui prova de regularidade perante a Fazenda Pública Municipal.
Deve prevalecer, obviamente, a disposição do art. 39 da Lei Municipal n. 8.421/2013, que assegura que a inexistência de registro no CADIN Municipal constitui prova de regularidade perante a Fazenda Pública Municipal para todos os efeitos legais e normativos, acrescentando, além disso, através do seu parágrafo primeiro, que a consulta ao CADIN substitui todas as certidões emitidas por órgãos ou entidades do Município de Salvador, em nome da pessoa física e jurídica.
Enfim, o Município do Salvador deve sim buscar a modernização e o aperfeiçoamento da Administração Fiscal – e o CADIN é induvidosamente uma ferramenta eficaz – mas também deve respeitar sempre os direitos fundamentais dos seus cidadãos contribuintes, fortalecendo os setores produtivos que desenvolvem a economia e produzem a riqueza soteropolitana, ao invés de restringir ilegitimamente a atividade empresarial. Fonte:Torres e Pires – Advogados Associados