Receita sobe mais que os custos nos setores com desoneração dos salários
A receita líquida das companhias abertas dos setores que tiveram desoneração da folha de pagamento cresceu mais que o aumento de custos durante o primeiro trimestre deste ano, na comparação com o mesmo período do ano passado. Esse indicador revela que o benefício fiscal concedido pelo governo resultou em um ganho de eficiência para as companhias.
A maior redução na relação entre custo dos produtos e receita líquida foi no segmento hoteleiro, com recuo de 4,9 pontos percentuais, e no mecânico, onde estão classificadas as indústrias de bens de capital, com queda de 1,2 ponto percentual (ver tabela ao lado). O cenário chama a atenção porque, na média, as empresas de capital aberto tiveram comportamento inverso, com alta de 2,3 pontos percentuais na relação custo/receita. Ou seja, na média, o custo do produto vendido subiu mais do que a receita líquida. O levantamento do Valor Data com base em dados da consultoria Economática considera um total de 241 empresas não financeiras. Considerando a mesma amostra, sem Petrobras, Vale e Eletrobras, a alta da relação custo/receita foi de um ponto percentual.
O levantamento levou em consideração segmentos que estão com a desoneração de folha pelo menos desde julho do ano passado e que possuem um número mais representativo de companhias abertas. Entre os segmentos desonerados pesquisados, a exceção fica por conta do setor de tecnologia da informação, que registrou uma elevação de 4,2 pontos percentuais na relação custo dos produtos vendidos/receita.
A Grendene está num dos primeiros setores a serem beneficiados com a desoneração de folha. Segundo o relatório do primeiro trimestre da companhia, o incentivo contribuiu para uma pressão menor sobre os custos de produção, ao lado de melhorias na produtividade. A elevação do custo do produto vendido da Grendene no primeiro trimestre foi de 17% em relação ao mesmo período do ano anterior, muito inferior ao crescimento da receita líquida de 22,8%, o que resultou numa margem bruta de 45,3%.
A Pettenati, indústria têxtil gaúcha, informa que economizou R$ 3,9 milhões no primeiro trimestre com a desoneração, o que contribuiu para reduzir custos e despesas. O custo do produto vendido da empresa subiu 6,8% no primeiro trimestre, contra iguais meses do ano passado. No mesmo período, a receita líquida aumentou em 9,7%. No levantamento das companhias abertas, o segmento de têxtil, couro e vestuário teve queda média de 0,2 ponto percentual na relação custo do produto vendido/receita líquida. Na média, o custo subiu 12% no primeiro trimestre, na comparação com iguais meses de 2012. A receita líquida cresceu 12,5%.
José Ricardo Roriz Coelho, diretor de competitividade da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), diz que o levantamento mostra que a desoneração de folha contribuiu para a redução de custos de produção. Ele lembra, porém, que para algumas empresas e segmentos outros fatores podem ter contribuído também, como a redução da tarifa da energia elétrica ou a aquisição de insumos importados mais baratos. “Para uma empresa muito automatizada, por exemplo, é provável que a redução da energia tenha sido mais representativa.”
Pela desoneração, as empresas dos setores beneficiados deixaram de pagar contribuição previdenciária de 20% sobre a folha de salários e passaram a recolher um percentual de até 2% do faturamento. Roriz diz que, mais do que reduzir custo de produção, a medida contribui para o baixo nível de desemprego. “As indústrias que contratam trabalhadores não precisam demitir tanto no período sazonalmente baixo. Com isso, eliminam ou amenizam o custo da demissão e a necessidade de treinar novos empregados.” Roriz lembra ainda que o conjunto de benefícios foi importante, mas para muitos setores houve apenas uma pequena recuperação em relação à perda de competitividade dos últimos anos.
Heitor Klein, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados), também lembra que os efeitos da desoneração de folha foram muito heterogêneos. Entre os fabricantes de calçados, diz, há uma parcela importante que possui produção altamente terceirizada. Para essas indústrias, diz, o efeito da medida foi pequeno, já que o custo da folha de pagamentos nesse grupo é relativamente baixo.
Outra variável importante para o alcance do benefício fiscal, diz Klein, é a representatividade das exportações. Ele lembra que um dos objetivos da desoneração foi incentivar as vendas ao exterior, já que as receitas de exportação não entram na base para o cálculo da contribuição previdenciária sobre faturamento.
No caso das empresas que tiveram vantagem tributária com a desoneração, diz Klein, o principal efeito foi a redução de preços. Esse resultado, porém, concentrou-se mais no preços dos produtos exportados e menos na venda no mercado doméstico. O segmento calçadista está entre os primeiros beneficiados com a desoneração de folha, aplicada desde dezembro de 2011. Atualmente 42 setores aproveitam o benefício.
No levantamento com as companhias abertas, o dado agregado das empresas de tecnologia da informação mostra que o setor seguiu tendência inversa, com elevação de custo maior que o da receita líquida. Na média, a ampliação do custo foi de 18% no primeiro trimestre, na comparação com o mesmo período de 2012. No mesmo critério, a receita líquida subiu 10,8%.
A Totvs, uma das empresas do setor, declara no seu relatório do primeiro trimestre o efeito benéfico da desoneração de folha. Segundo a empresa, o impacto principal do benefício acontece no grupo de custos de taxas de licenciamento e de serviços e despesas com P&D. Esse é um dos três grandes grupos de gastos da companhia. A empresa informa que nos últimos 12 meses, esse grupo de custo teve sua participação sobre receita líquida reduzida em 1,3 ponto percentual. O ganho é creditado à desoneração e a aumento de eficiência.
Apesar dessa vantagem, no primeiro trimestre esse grupo de custos cresceu acima da receita líquida. A participação desses custou aumentou de 45,2% da receita líquida no primeiro trimestre de 2012 para 46,8% nos mesmos meses deste ano. Houve também elevação em relação ao quarto trimestre do ano passado, quando essa fatia era de 46,1%.
O crescimento desse custo no último trimestre, informa a empresa, foi ocasionado principalmente pela combinação do reajuste salarial de 7% resultante de acordo coletivo e do aumento de vendas de soluções complementares desenvolvidas por terceiros, o que resultou em maior desembolso com taxas de licenciamento.
Luís Rogério Farinelli, consultor do Machado Associados, explica que, do ponto de vista contábil, a desoneração de folha deu origem a um debate sobre a melhor forma de registro da despesa com a “nova contribuição previdenciária”.
Pela contabilização tradicional, em que a contribuição é calculada sobre a folha de salários, o desembolso é contabilizado como custo do produto vendido, sem efeito nenhum sobre a receita líquida das empresas. Algumas empresas de setores desonerados, porém, diz Farinelli, passaram a contabilizar esse desembolso como dedução para o cálculo da receita líquida, da mesmo forma que outros tributos calculados sobre a receita, como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), por exemplo.
O consultor diz que muitos discordam dessa contabilização. “O argumento é que para o cálculo da receita líquida devem ser descontados apenas os tributos repassados a terceiros, o que não é o caso da contribuição previdenciária sobre a receita bruta.” Fonte:Valor Econômico, por Marta Watanabe