“PEC das Domésticas” deve aumentar direitos e custos
Demissão em massa ou conquista histórica? A Proposta de Emenda Constitucional para a ampliação dos direitos dos profissionais que atuam em residências, batizada de “PEC das Domésticas”, tem gerado debates acalorados entre representantes de diversos setores. A nova legislação já passou pela Câmara dos Deputados e agora enfrenta dois turnos no Senado para ser aprovada. O primeiro estava previsto para ser realizado nesta terça-feira, dia 19 de março. O projeto, se passar na segunda votação, que pode ocorrer na próxima semana, começaria a valer imediatamente: como se trata de uma PEC não precisa de sanção presidencial.
Os principais efeitos imediatos para as famílias da PEC das Domésticas, quando for promulgada, serão a obrigatoriedade de recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), com alíquota de 8% sobre o salário mensal, o pagamento de hora extra, no mínimo, 50% maior que a comum e a contratação de seguro contra acidentes do trabalho a cargo do empregador. De acordo com a senadora Lídice da Mata (PSB), relatora do projeto no Senado, benefícios como adicional noturno e assistência gratuita aos filhos até cinco anos dos empregados em creches e escolas ainda dependem de regulamentação a ser feita pelo Ministério do Trabalho.
Para a senadora, os trabalhadores domésticos têm um nível de direitos muito pequeno comparado a outros profissionais. “Enquanto categorias lutam, por exemplo, para reivindicar um plano de saúde, as domésticas não têm esse direito. Estamos corrigindo uma injustiça”, diz.
O advogado Alexandre de Almeida Gonçalves, especialista em direito empresarial, vê a PEC como o início de profissionalização da categoria. “É importante que a empregada tenha a jornada de trabalho definida como todos os trabalhadores. Se o profissional fica horas a mais no serviço, por exemplo, tem de receber horas extras”, afirma.
O presidente da ONG Instituto Doméstica Legal, Mario Avelino, no entanto, faz críticas à proposta. Para ele, a PEC está incompleta. “O projeto teria de prever uma compensação do aumento de custo para os empregadores, uma ‘desoneração’ da folha do patrão com diminuição da alíquota do INSS”, diz.
Na avaliação de Avelino, a PEC, sem uma contrapartida, pode trazer um aumento de custo insustentável aos empregadores, com a adição de direitos como pagamento de horas extras, auxílio creche e adicional noturno. Em seus cálculos, o peso no orçamento familiar facilmente poderia subir 35%. “Se considerarmos que uma empregada chega a trabalhar duas horas a mais por dia, essas horas extras, que impactam não apenas o salário, mas o décimo-terceiro, as férias e o recolhimento de INSS, vão significar mais de um terço extra nas despesas mensais.”
Sem uma compensação aos empregadores, Avelino alerta para a possibilidade de demissões em massa. “Mais de 800 mil domésticas podem ser mandadas embora. E só com anúncio da PEC já estão sendo demitidas”, afirma. Para o presidente da ONG Instituto Doméstica Legal, a nova legislação vai criar ainda uma insegurança jurídica ao não estabelecer prazo de prescrição para reclamações trabalhistas, como ocorre para os contratador no regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que têm até dois anos para entrar com ação contra os ex-empregadores. “A PEC vai permitir que o doméstico possa entrar com um processo mesmo depois de 15 anos de saída do serviço”, afirma.
O advogado Alexandre Gonçalves, no entanto, refuta essa possibilidade. Segundo o especialista, a jurisprudência nos tribunais do trabalho afastaria esse risco. “As decisões têm assegurado a validade do mesmo período de prescrição definida ao empregado CLT”, explica.
Na visão de Gonçalves, a questão do aumento de custo pode ser preocupante até certo ponto. Mas o especialista defende que o grande impacto da PEC será mudar a cultura relacionada ao serviço doméstico. “Na questão das horas extras, por exemplo, é vantajoso para o trabalhador cumprir sua jornada de trabalho e não sacrificar sua própria vida pessoal”, destaca.
O advogado afirma que, para o empregador, manter o controle das horas extras também significa uma segurança contra cobranças indevidas na Justiça. “E isso é simples de fazer: basta manter um caderno com o registro de entrada e saída, no qual ambos, patrão e empregado, assinam o ponto. Esse tipo de controle tem validade incontestável nos tribunais”, explica.
A relatora da PEC das Domésticas, senadora Lídice da Mata, reconhece que a legislação pode causar um ruído no início de sua vigência. “É claro que [a PEC] tem impacto, em especial para a classe média. A lei levará certamente a uma mudança na cultura”, afirma. A senadora admite que, na transição para o novo regime, “pode haver um nível de desemprego maior com crescimento do sistema de diaristas, mas depois o mercado vai se ajustando”.
Um consenso entre os especialistas é que a PEC vai acelerar um processo já em curso. A percepção é que o aumento do custo, devido ao crescimento acelerado da renda real, a maior escolaridade, a perda de força de trabalho para outros setores, além da falta de reposição de mão de obra, vão levar a categoria a uma elitização. Assim, apenas famílias ricas poderão bancar um empregado mensalista, e, ao mesmo tempo, haverá uma ampliação da oferta de serviços avulsos. “A PEC vai impulsionar a conversão da doméstica em diarista”, diz Avelino, da ONG Instituto Doméstica Legal.
O sócio-diretor do Instituto Data Popular, Renato Meirelles, ressalta que a categoria caminha para se tornar mais parecida com a existente em nações desenvolvidas. “Nenhuma grande economia tem um índice tão grande de empregadas domésticas como o existente no Brasil.” Segundo a Organização Mundial do Trabalho (OIT), o país conta com o maior contingente do mundo de profissionais do gênero, com 13,7% dos 52,6 milhões de trabalhadores domésticos do planeta. Fonte:Valor Econômico, por Sérgio Tauhata