O “x” da questão das PPPs
Por Monya Pinheiro, advogada do Escritório Torres e Pires Advogados Associados
As parcerias público-privadas (PPPs), introduzidas na ordem jurídica nacional por meio da Lei n. 11.079/2004, nasceram e cresceram sob o olhar de desconfiança e reprovação de vários segmentos, notadamente da doutrina administrativista brasileira. A parcela da população que conhece superficialmente o tema, porém que ignora as peculiaridades de tal modalidade de contrato de concessão, também torce o nariz quando se fala em PPPs. Mas por quê?
Antes de elucubrarmos sobre isso, importa sejam estabelecidas brevíssimas noções preliminares sobre as PPPs.
Parceria público-privada é uma modalidade de contrato de concessão – e não de licitação – de serviço ou obra públicas, que se distingue das concessões comuns regidas pela Lei n. 8.987/1995, pois nas PPPs há a previsão de pagamento de contraprestação do parceiro público ao parceiro privado.
As parcerias público-privadas podem ser de duas espécies, quais sejam, a concessão patrocinada, na qual, além da tarifa cobrada dos usuários do serviço ou da obra pública, há contraprestação do parceiro público ao parceiro privado; e a concessão administrativa, sendo que nesta é a Administração Pública a própria usuária da obra ou serviço público, direta ou indiretamente, cabendo somente a ela remunerar o parceiro privado.
A lei veda expressamente a celebração de parceria público-privada se o valor do contrato for inferior a vinte milhões de reais; se o período da prestação do serviço for inferior a cinco anos ou o objeto da avença seja unicamente o fornecimento de mão-de-obra, fornecimento e instalação de equipamentos ou execução de obra.
Vencida a concorrência – modalidade de licitação obrigatória nas PPPs -, constitui-se uma sociedade de propósito específico – SPE, integrada pelo parceiro privado e parceiro público, incumbindo a esta pessoa jurídica autonomamente constituída a implantação e gerência do objeto do contrato de parceria celebrado.
O objeto do contrato de parceria público-privada é distinto dos demais contratos administrativos. Tratam-se projetos de expressiva vultuosidade econômica, geralmente relacionados a grandes projetos de infraestrutura, imprescindíveis para o desenvolvimento do país. E como a disponibilidade de robustos recursos financeiros não é o forte do setor público brasileiro, é preciso atrair os investimentos do setor privado para a consecução de tais projetos, juntamente com o governo. Para tanto, utiliza-se os contratos de PPPs.
Constituída a sociedade de propósito específico e assinado o contrato de parceria público-privada, passa-se a enfrentar outra questão, esta talvez a mais intrincada e pouco compreendida, já que desborda das questões jurídicas e invade a seara da economia: o financiamento do projeto.
Imaginemos, por exemplo, um contrato de parceria público-privada para a construção e exploração de uma nova linha de metrô. O consórcio de empresas ABC sagra-se vencedora da concorrência pública, e juntamente com o Estado X, parceiro público, constituem a SPE que implantará o objeto do contrato.
Para que as coisas saiam do papel, essa SPE necessitará de um Project Finance, que resumidamente se trata do projeto de arrecadação de recursos para a viabilização do empreendimento. Dada a sua própria natureza, os projetos de infraestrutura, como o exemplo do metrô, requerem aportes iniciais de recursos elevados, razão pela qual a composição do Project Finance é tão importante para o sucesso da PPP.
Os financiadores – que podem ser bancos privados, bancos públicos (sobretudo o BNDES), fundos de pensão, dentre outros – realizam empréstimos para a SPE, já atentando para a capacidade econômica futura do empreendimento, isto é, se o empreendimento tem um bom potencial de retorno financeiro, se os gestores são habilitados para gerir o projeto proposto, e outras tantas variáveis de mercado.
Os investidores aportam recursos no início do projeto, porém vislumbrando a amortização do investimento, e, obviamente, a obtenção de retornos financeiros a longo prazo. É justamente aqui, nesse ponto, que o estigma das PPPs exsurge: elas viabilizam ao(s) particular(es) a obtenção, ainda que no futuro, de uma vantagem econômica. Não que em outras modalidades de contrato administrativo não ocorra exatamente o mesmo; mas, no caso das PPPs, tal conjuntura é mais transparente, mormente em virtude dos prazos geralmente longos de tais contratos de concessão.
Muitos se insurgem contra o fato de, ao final de uma obra pública, o prazo de concessão da exploração do serviço ser fixado em vinte, trinta anos. Para outros, a circunstância de o parceiro público ter que pagar uma contraprestação ao parceiro privado é quase uma dilapidação autorizada do patrimônio público.
Olvidam-se, no entanto, dos investimentos realizados nas etapas anteriores, dos elevados custos dos projetos preparatórios, da obra em si e, sobretudo, de que o interesse manifestado pelo setor privado transforma em realidade importantes projetos para o desenvolvimento das cidades. A opinião pública parece orientar-se pelo vetor de que a obtenção de vantagem econômica pelo particular, nomeadamente em PPPs, é uma imoralidade. O setor privado busca sim o lucro, e não há absolutamente nada de errado nisso, desde que o meio utilizado seja lícito.
Longe de ser a Lei n. 11.079/2009 e as parcerias público-privadas imunes a críticas – não há nenhum diploma legislativo com tal característica -, sua interpretação e aplicação deve ocorrer livre de conceitos pré-concebidos, que somente prejudicam a acertada aplicação da lei.
Quanto menor a resistência injustificada a esse tipo de contrato de concessão, maior o interesse do setor privado, nacional e internacional, de aportar recursos nos diversos setores de infraestrutura do país, inquestionavelmente contribuindo para o seu desenvolvimento. Fonte:Torres e Pires Advogados Associados