201307.29
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O controle dos e-mails corporativos pelo empregador

Por Ana Paula Didier Studart.

O art. 2º da CLT confere ao empregador o poder do controle, da vigilância e da fiscalização como forma de avaliar o cumprimento da obrigação do empregado, para, eventualmente, adotar medidas disciplinares. Contudo, esse poder possui limites que se fundamentam no respeito à dignidade e à liberdade do empregado, reconhecidas constitucionalmente. A dificuldade aparece justamente nesse equilíbrio necessário entre os limites impostos ao direito à intimidade do empregado e o direito do empregador de dirigir suas atividades.

Diversos são os casos que geram a busca por esse equilíbrio nas relações de trabalho, principalmente com o avanço da tecnologia e dos meios de comunicação. Considerando que o e-mail é uma das formas de comunicação mais utilizada na atualidade, deve-se analisar qual a proteção à privacidade incidente sobre esse tipo de comunicação, uma vez que não há disposição legal expressa acerca do correio eletrônico.

A Constituição Federal, no art. 5º, XII, garantiu o direito à intimidade nos meios de comunicação pessoal, declarando inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações. Percebe-se que a proteção ao sigilo se estende às diversas formas existentes. A proteção não tem como objeto os dados em si, mas a sua comunicação restringida. Trata-se de uma troca de informações privativa, que não pode ser violada por sujeito estranho.

Apesar das diferenças entre o correio postal e o correio eletrônico, não há, em tese, distinção em relação à aplicação da norma legal na proteção da intimidade. As mensagens digitais também são invioláveis, devendo gozar da mesma proteção que o correio postal.

No que tange às relações de emprego, a utilização de computadores e e-mails se tornou indispensável em qualquer empresa. Por ser uma ferramenta tão utilizada, acaba despertando a curiosidade e o interesse dos empregadores em saber se é possível ou não controlar e fiscalizar os e-mails corporativos, tendo acesso aos itens enviados e recebidos, aos destinatários e, principalmente, ao conteúdo das mensagens. Muitas vezes, parte-se do pressuposto de que, se o empregador forneceu um computador ao empregado, este equipamento é fundamental para a execução do serviço, logo, com base no poder diretivo, poderia checar as mensagens eletrônicas recebidas e enviadas pelos trabalhadores, pois é “terceiro interessado”.

Esse interesse na fiscalização decorre, principalmente, do uso indevido ou inadequado da internet e do e-mail corporativo pelos empregados. Mas é preciso cautela por parte do empregador, haja vista a fiscalização envolver o direito à privacidade do empregado.

Não há na legislação trabalhista regramento específico sobre a utilização do correio eletrônico no ambiente de trabalho, havendo apenas algumas diretrizes traçadas pela jurisprudência. Contudo, a cada dia as empresas se utilizam mais de meios de controle ao acesso da internet pelos empregados, através de programas que registram os sites visitados, bem como filtram, registram e classificam automaticamente cada palavra que passa pelos e-mails de suas redes.

São apresentados argumentos prós e contra o monitoramento do e-mail corporativo. O principal argumento contrário se baseia na dignidade da pessoa humana, nos direitos da personalidade, no princípio da boa-fé contratual e também no instituto do abuso do direito. O direito à privacidade que deve ser respeitado não diz respeito apenas ao empregado, mas também ao terceiro que, provavelmente, não sabe que a mensagem enviada ao destinatário não goza de privacidade.

Além disso, outro argumento contrário defende que o monitoramento do e-mail corporativo fere o direito à liberdade de expressão e o direito à crítica. O fato da empresa responder por atos dos seus funcionários não justifica ou autoriza a invasão da privacidade dos empregados, haja vista existir meios menos invasivos através de instrumentos tecnológicos que podem evitar danos aos agentes externos, como, por exemplo, a adoção de programas que impedem o envio de mensagens para endereços não cadastrados.

Por outro lado, os argumentos que defendem a possibilidade de monitoramento e fiscalização dos e-mails corporativos baseiam-se no direito de propriedade do empregador – uma vez que a ele pertencem os meios de produção-, no poder patronal – o que permitiria o controle da atividade laboral -, no fato de que o correio eletrônico não goza de privacidade no ambiente do trabalho e na responsabilidade civil do empregador pelo eventual uso inadequado do e-mail.

A adoção de tais práticas de fiscalização podem ser justificadas pela ocorrência de spam ou lixo eletrônico, pela sobrecarga no sistema informático, pelo recebimento de vírus e pela redução da produtividade do empregado. Os empregadores também afirmam que o sistema pertence à empresa, que o custo do sistema é suportado por eles e que a companhia é responsável pelos atos de seus funcionários.

Em setembro de 2012, o TST manteve uma decisão do TRT da 5ª Região que condenou uma empresa a pagar uma alta indenização por danos morais em virtude do arrombamento de um armário de um determinado empregado, onde estava guardado o seu notebook, para ter acesso e fiscalizar seus e-mails. O equipamento foi vistoriado em sua integridade, tendo sido acessado seus e-mails e dados pessoais, além do e-mail corporativo.

Neste caso, o TRT entendeu que não devia prevalecer o argumento de que o notebook era de propriedade da empresa, pois o mesmo estava formalmente sob a responsabilidade do empregado. Além disso, sustentou que a fiscalização sob equipamentos de computador, de propriedade do empregador, incluído o e-mail da empresa, podem ser fiscalizados, desde que haja proibição expressa de utilização para uso pessoal do equipamento, nos regulamentos da empresa. Dessa forma, ter-se-ia a previsão do poder diretivo, com base no bom senso e nos estritos termos do contrato de trabalho, com respeito à figura do empregado como pessoa digna de ter seus direitos integralmente resguardados.

O TRT argumentou também que o poder diretivo do empregador decorre do direito de propriedade, contudo este poder não é absoluto e encontra limitações no direito à intimidade do empregado, bem como na inviolabilidade do sigilo de correspondência, comunicações telegráficas, de dados e telefonemas, igualmente garantias constitucionais, das quais decorre o direito de resistência a verificação de sua troca de dados e navegação eletrônica.

O direito à propriedade e o direito à privacidade são direitos que não guardam hierarquia entre si, pois não há hierarquia entre direitos fundamentais. O que se coloca é que havendo colisão entre eles, buscar-se-ão formas para a concretização máxima dos valores a serem protegidos.

Na hipótese analisada pelo TRT da 5ª Região e mantida pelo TST, a propriedade e o poder diretivo do empregador versus o direito à intimidade, ao sigilo de correspondência, à dignidade da pessoa humana, encontra parâmetro no princípio da proporcionalidade, sustentando o Tribunal que não houve a adequação da medida tomada pela empresa para apropriar-se do computador, que encontrava-se mediante comodato, sob a guarda e responsabilidade do empregado, que exercia poderes especiais em nome do empregador.

Em outro caso, no ano de 2009, o TST decidiu pela inexistência de danos morais em caso de fiscalização de e-mail corporativo sob o argumento de que apenas o “e-mail” pessoal do empregado goza da proteção legal e constitucional da inviolabilidade de correspondência, sendo o correio eletrônico corporativo, fornecido pela empresa como instrumento de trabalho, passível de verificação pelo empregador.

A questão fundamental gira em torno da possibilidade do empregado usar o e-mail corporativo também para fins pessoais. Caso exista essa possibilidade, o empregador não deve fiscalizar o e-mail, mesmo sendo corporativo, sob pena de ser considerada e configurada violação à privacidade do empregado.

Uma possível solução para o caso é constar no regimento interno da empresa ou no contrato de trabalho, que o e-mail fornecido pela empresa é para uso exclusivamente profissional, sendo vedada a troca de e-mails pessoais. Não há proibição para que haja um controle formal ao e-mail corporativo do empregado quando as regras forem claras e explicitadas, previamente, para os empregados.

Com relação aos e-mails pessoais dos empregados, estes não podem ser fiscalizados pelo empregador, na medida em que são estritamente relacionados à vida privada do usuário. Assim, eventual proibição ao uso do e-mail pessoal no ambiente de trabalho não autorizaria o empregador a realizar fiscalização quanto ao conteúdo da mensagem sem o consentimento do trabalhador. Fonte:Torres e Pires – Advogados Associados