Ministério Público questiona cadastros de inadimplentes
O Ministério Público do Distrito Federal (MP-DF) iniciou uma disputa contra as duas maiores empresas de cadastros de proteção ao crédito: a Serasa Experian e a Boa Vista Serviços, administradora do SCPC. Por meio de ações civis públicas, os promotores alegam que estariam mantendo registros de débitos prescritos nos bancos de dados, acessados por milhares de empresas e instituições financeiras para a tomada de decisões sobre concessão de crédito e financiamento.
A prática, segundo o MP-DF, desrespeita o Código de Defesa do Consumidor (CDC). “A tese não é paternalista”, afirma o promotor Leonardo Bessa, responsável pelos processos. “Se o consumidor ficou inadimplente deve arcar com as consequências, mas não pode ser punido por débitos antigos, de 10 ou 15 anos atrás.”
No dia 20 de maio, a juíza da 19ª Vara Cível de Brasília, Eugenia Bergamo Albernaz, concedeu liminar – válida para todo o Brasil – para proibir a Boa Vista Serviços de incluir débitos protestados em cartórios e vencidos há mais de cinco anos. A empresa, porém, apelou e conseguiu cassar a decisão no dia 14 de junho, no Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF). O Ministério Público vai recorrer da decisão.
O pedido dos promotores tem como base o artigo 43 do CDC, segundo o qual “os cadastros de consumidores não podem conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos”. A divergência, porém, é sobre o momento em que o prazo passa a ser contado. A legislação não é expressa. O MP-DF afirma que a contagem deve ser iniciada da data de vencimento do débito. As empresas defendem que deve começar com a inscrição do devedor no banco de dados.
Promotores e advogados concordam que, se prevalecer a tese da Serasa Experian e da Boa Vista Serviços, a dívida seria exigida por pelo menos o dobro do tempo que a lei permite. O Código Civil autoriza a cobrança no período de cinco anos. “Mas se ele protestar a dívida em cartório nos meses finais desse período, o nome do devedor ficará negativado e fora do mercado de consumo por mais cinco anos”, afirma Marcelo Roitman, advogado especializado em relações de consumo e sócio do escritório PLKC Advogados.
O Ministério Público começou a investigar os registros de débitos prescritos a partir do caso de um consumidor de Brasília, que tinha uma dívida vencida há dez anos, protestada em cartório e registrada no SCPC. “Ele só ficou sabendo que estava com o nome sujo por causa de um cheque, quando tentou financiar a compra de uma geladeira”, afirma o promotor Leonardo Bessa
No caso da Serasa, o juiz da 1ª Vara Cível de Brasília negou o pedido de liminar, formulado pelo Ministério Público. A decisão teve como base decisões de 2006 e 2009 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os ministros entenderam que o prazo de cinco anos começa a ser contado do registro do protesto no cadastro de proteção ao crédito. O MP decidiu não recorrer, vai esperar a sentença de mérito sobre o assunto. O STJ ainda tem uma súmula desde 2005 no sentido de que a inscrição de inadimplentes pode ser mantida nos serviços de proteção ao crédito por, no máximo, cinco anos.
O diretor jurídico da Boa Vista Serviços, Dirceu Gardel, afirma que o problema é mais complexo do que a divergência sobre a contagem de prazo. “Não temos como cumprir a exigência do Ministério Público do Distrito Federal”, diz. Segundo ele, o obstáculo está na Lei nº 9.492, de 1997, que regulamenta os serviços de protestos de títulos. A norma não obriga os cartórios a controlar o protesto de débitos prescritos. “Nós somos um espelho das informações dos cartórios. Se temos um problema, a lei deve mudar”, diz Gardel, acrescentando que não haveria prejuízo ao consumidor porque as informações dos cartórios já são públicas e a Boa Vista Serviços já exclui inadimplentes registrados no serviço há mais de cinco anos.
O advogado Marcelo Roitman contesta o argumento. “A maioria absoluta das consultas é realizada no cadastro dessas empresas, e não nos fóruns e cartórios de protestos. Caso contrário, o serviço prestado por elas seria até desnecessário”, afirma.
Para o Ministério Público, as empresas que prestam serviços de proteção ao crédito devem se adaptar por força do Código de Defesa do Consumidor. “Para incluir informações que terão impacto na vida do consumidor, elas devem fazer o controle sobre o prazo temporal”, afirma o promotor Leonardo Bessa.
Procurada pelo Valor, a Serasa Experian não deu retorno até o fechamento da edição. Fonte:Valor Econômico, por Bárbara Pombo