Lockdown e o olhar trabalhista
Tendo em vista que se espalhou pelo mundo o corona vírus, tendo atingido a população brasileira desde fevereiro/2020, em março/2020 restou decretada pandemia no país e assim, inúmera medidas foram tomadas na tentativa de frear o avanço do vírus e suas consequências.
No ano de 2021, em pese a chegada da vacina no país, também restou comprovada existência de uma nova variante do referido vírus e assim, novas medidas começaram a ser tomadas pelos governos/prefeituras, dentre elas, a da Bahia e Salvador, tendo em vista aumento do número de casos e lotação das UTIs.
De tal modo, em parceria com algumas prefeituras do estado, o governador da Bahia anunciou lockdown/toque de recolher, a partir do dia 22/02/2021, das 20h as 5h, que ocorreria até as 5h do dia 01/03/2021, mas que, após algumas prorrogações, será mantido até a próxima segunda, 29/03/2021 ou até que as taxas de ocupações das UTIs fique abaixo de 80%.
Assim, esta mantido, em Salvador e Região Metropolitana:
– o toque de recolher das 18h as 5h;
– fechamento do comércio até o dia 14/03/2021;
– proibida venda de bebidas alcoólicas das 18h de sexta-feira, 26/03/2021, até as 5h de segunda-feira 29/03/2021;
– bares e restaurantes poderão funcionar de segunda-feira a sexta-feira até as 18h.
Cidades que integram a Região Metropolitana de Salvador: Camaçari, Candeias, Dias D’Ávila, Itaparica, Lauro de Freitas, Madre de Deus, Mata de São João, Pojuca, São Francisco do Conde, São Sebastião do Passé, Simões Filho e Vera Cruz.
Neste sentido, importante entendermos o conceito de toque de recolher, veja-se.
O toque de recolher/lockdown é a medida mais rígida adotada durante situações extremas, como uma pandemia. Restringe a circulação de pessoas nas ruas, dessa forma, as pessoas ficam proibidas de circular pelas ruas dentro desse horário, salvo em caso de alguns serviços: serviços públicos essenciais (como segurança, saúde, entre outros).
Já o isolamento horizontal, é o isolamento da população de uma forma geral, com intuito de que todos fiquem em casa, restringindo a circulação e aglomeração de pessoas, com objetivo de reduz a disseminação do vírus.
Assim, temos que ambas as situações citadas acima foram colocadas em prática no final do mês de fevereiro e início do mês de março de 2021.
Além do quanto exposto, importante falarmos também sobre a Teoria do Fato do Príncipe. Esta é uma teoria utilizada para designar um ato do Poder Público, primordialmente utilizado no direito administrativo, mas com aplicabilidade no direito civil e direito trabalhista.
A referida teoria consiste em atitudes do Poder Público poderem tornar um contrato já existente excessivamente oneroso a uma das partes, ou mesmo impossível de ser cumprido.
Por essência, o fato do príncipe é uma ação necessariamente imprevista, formalmente regular, mas que indiretamente afeta o equilíbrio econômico de contratos celebrados entre o Estado e particulares. É uma intercorrência externa do contrato que dificulta ou impossibilita o seu cumprimento.
Nesses casos, o particular que foi prejudicado, seja pela excessiva onerosidade, seja pela impossibilidade de cumprimento, poderá buscar medidas legais e/ou contratuais para se resguardar ou se indenizar, quando possível.
Quanto aos empregados que não estão trabalhando, por conta do fechamento temporário dos estabelecimentos, por enquanto, nada há que se falar em banco de horas ou antecipação de férias ou qualquer outra medida prevista nas Medidas Provisórias editadas em 2020, uma vez que não há qualquer previsão legal.
Ademais, caso o lockdown seja prorrogado para períodos mais longos, há expectativas de que novas medidas provisórias sejam editadas com intuito de trazer benefícios para empregados e empregadores com intuito de manutenção dos empregos/estabelecimentos.
Com efeito, na jurisprudência trabalhista atual, são raras as hipóteses de autorização legal, uma vez que a teoria do Fato do Príncipe tem origem no Direito Administrativo, sendo aplicada em contratos entre o Estado e particulares, o que não ocorre nas relações de trabalho, que se dão entre particulares (empregados e empregadores).
Justamente porque o risco da atividade econômica é do próprio empregador (art. 2º, § 2º da CLT e art. 170, III da CF), não podendo, portanto, repassá-lo a terceiro, o que inclui órgão da administração pública.
Por outro lado, a referida teoria é prevista no artigo 486 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), determinando que, em caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.
Ou seja, eventuais verbas rescisórias a serem pagas aos empregados passariam a ser de responsabilidade da autoridade coatora.
Para evidenciar a ocorrência do fato do príncipe, alguns elementos precisam ficar evidenciados, quais sejam:
- Edição de ato normativo pela Autoridade Pública – evidenciado a partir do momento em que os Decretos são publicados;
- Paralisação temporária ou definitiva, conforme artigo 486 da CLT;
- Nexo causal dos impactos com o Ato Normativo – o nexo é claro a partir do momento que os estabelecimentos precisam fechar as portas, ainda que temporariamente. Não havendo que se falar em serviços delivery, uma vez que o mesmo não supre o pagamento de todas as despesas da empresa e ainda, apenas parte dos empresados podem trabalhar, como por exemplo em casos de restaurantes que a empresa tem o curso com os garçons;
- Reflexos imprevisíveis e inevitáveis à empresa.
Em caso de comprovação da evidencia de tais requisitos, seria possível a tentativa de aplicação da teoria aos contratos de trabalho, devendo ser observado que o ônus da prova é da empresa, ou seja, a mesma precisaria provar à Justiça que não tinha condições de funcionar e que não houve oportunismo.
Por fim, deve-se levar em consideração ainda, a função social da empresa, sobretudo pelos impactos em cadeia que a crise econômica pode causar ao impedir a continuidade de uma sociedade econômica. Não se trata aqui apenas do empregador, mas também dos empregados e fornecedores e suas famílias, se torna uma cadeia de produção parada.
Assim, seria cabível a aplicação da Teoria do Fato Príncipe na Justiça do Trabalho, a partir do momento que restar demonstrado que a empresa teve impacto na saúde financeira decorrente da suspensão das atividades.