201301.24
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Intervenção Estatal Na Economia Será Julgada No STF

Depois de ser acusado de intervir nas atividades do Congresso, durante o mensalão, o Supremo Tribunal Federal (STF) volta suas atenções, este ano, para o julgamento de diversos casos em que a discussão central é a intervenção do Estado na economia.

Há desde ações em que governos estaduais interferem nas empresas, através da cobrança de impostos para atividades que, antes, estavam isentas, até processos em que agências reguladoras baixam medidas que afetam diretamente negócios de grandes companhias, cerceando a atuação privada, ou dirigindo-a.

Um dos principais casos sobre intervenção do Estado na economia – a cobrança de ICMS nas vendas feitas pela internet – ganhou status de repercussão geral no STF, há dois meses. Nele, vários governos estaduais entraram com recursos no STF contra empresas que conseguiram, nas instâncias inferiores da Justiça, o direito de fazer o pagamento do imposto apenas para o Estado que remete a mercadoria. Com isso, Estados onde os consumidores adquirem os produtos não estavam recebendo nada pelas transações via internet.

“Ocorrem várias operações de venda de mercadorias dentro de Sergipe sem que haja o pagamento do ICMS, em que pese a operação ocorrer em nosso Estado, sob o rótulo de venda não presencial por meio da internet”, afirmou num desses recursos a procuradoria do governo sergipano.

Relator desse processo, o ministro Luiz Fux entendeu que o caso tem relevância política, econômica, social e jurídica e, por isso, propôs que o recurso de Sergipe seja decidido sob a sistemática da repercussão geral. Nela, o STF julga uma vez o tema, e essa decisão será aplicada para todos os processos semelhantes.

“As vendas via comércio eletrônico repercutem na economia pelo volume de operações e impacta financeiramente no Orçamento dos entes federados”, justificou Fux. A proposta do ministro foi aceita, por unanimidade, pelos demais integrantes do STF e a cobrança de ICMS nas vendas pela internet será decidida, a partir de fevereiro, quando eles voltarem do recesso.

Outro caso que ganhou o status de repercussão geral foi a ação da Confederação Nacional do Comércio (CNC) contra a exigência de certidão negativa de débitos trabalhistas. O documento, que é uma comprovação de que a empresa não tem débitos com os seus empregados, passou a ser cobrado das companhias que querem participar de licitações, a partir da Lei 12.440, de julho de 2011.

Como a certidão deve ser renovada a cada seis meses, as empresas contestaram a exigência de mais um instrumento burocrático para que possam participar de concorrências públicas. “A exigência da certidão negativa de débitos trabalhistas nada mais é do que uma forma de coagir o devedor a efetuar o pagamento, sob pena de ter prejuízos sem precedentes”, afirmou a CNC, referindo-se à possibilidade de as empresas serem barradas de licitações.

O STF tem ainda diversas ações em que o Estado interferiu diretamente na forma de venda e de divulgação de produtos, como cigarros, bebidas e veículos.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) entrou no tribunal com ação para derrubar parte da Lei nº 9.782, que criou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Motivo: a Anvisa baixou resolução para proibir a comercialização de cigarros que contêm aroma e sabor. Segundo a CNI, a norma implicou o “banimento da produção e comercialização da quase totalidade dos cigarros vendidos licitamente no mercado brasileiro”.

A CNI quer que o STF delimite parâmetros para a atuação da agência, de modo a evitar que ela proíba “a fabricação, a importação, o armazenamento, a distribuição e a comercialização de quaisquer produtos e insumos”.

“Não adotamos o discurso liberal, de que o Estado não pode interferir, de que as empresas e os entes privados resolvem os seus problemas naturalmente, mas fazemos uma discussão sobre a qualidade dessa intervenção”, afirmou Gustavo Amaral, advogado que atua para a CNI.

Segundo ele, o debate sobre a intervenção do Estado acontece não apenas no STF, mas dentro das agências reguladoras. “Há casos em que a Aneel impõe condições rigorosas, e algumas obras em usinas ficam inviabilizadas financeiramente”, exemplificou.

“Nesses casos, nós discutimos se, ao intervir, o Estado agiu adequadamente ou acabou impondo custos excessivos e desnecessários às empresas”, disse o advogado. Segundo Amaral, há outras contestações em setores regulados, como ações contra a cobrança de taxas sobre medicamentos. “Nos casos de taxas, discutimos a razoabilidade delas.”

Em outra ação, a demora do Congresso em regulamentar a propaganda de bebidas alcoólicas vai levar o STF a discutir a proibição de comerciais de cervejas antes das 21h. Nesse caso, a Procuradoria-Geral da República pediu ao STF que, dada a ausência de regulamentação da propaganda de bebidas com teor alcoólico inferior a 13 graus Gay Lussac – faixa que atinge as cervejas -, seja declarada a omissão do Congresso no assunto. Uma vez dito pelo STF que o Congresso se omitiu na tarefa de legislar, a Corte pode, em seguida, passar ao segundo ponto da decisão, que seria o de restringir os comerciais de cervejas até a aprovação de lei sobre o assunto.

A regulamentação da propaganda de bebidas é um tema espinhoso e, em casos como esse, é comum o Judiciário adiar a decisão final. Mas o STF tomou o caminho oposto. A relatora do processo, ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, pediu informações sobre o assunto ao Congresso com “urgência e prioridade”, e determinou que a ação será julgada diretamente pelo mérito, evitando, assim, a análise prévia do pedido de liminar.

O ministro José Antonio Dias Toffoli também determinou que outra ação envolvendo restrições à divulgação de produtos seja analisada diretamente pelo mérito, num rito abreviado e acelerado. O caso analisado por Toffoli tem influência direta na indústria automobilística. O ministro é relator de ação da CNI contra a obrigatoriedade de veiculação de mensagens educativas sobre trânsito na propaganda de veículos no rádio, na televisão, em jornal, revista e outdoor.

Toffoli também tem em seu gabinete um processo em que empresas contestam a proibição de instalar linhas de transmissão de energia próximas a bairros residenciais. Num recurso da Eletropaulo, o ministro decidiu convocar uma audiência pública sobre o assunto para ouvir desde os argumentos favoráveis à liberdade de as empresas atuarem no setor até aqueles que advertem para supostos potenciais cancerígenos, se as linhas estiverem muito perto de moradias. Essa audiência será feita no começo de março.

As companhias telefônicas também recorreram ao Supremo para garantir a instalação de torres de celulares em diversos municípios do país. Isso porque diversas câmaras municipais aprovaram leis para banir as torres de bairros residenciais. O STF já recebeu as primeiras ações sobre o assunto.

Na maioria dos processos envolvendo a intervenção do Estado em atividades econômicas, quem reclama ao STF não são políticos ou parlamentares, mas sim, companhias e entidades empresariais. Mas há também ações de partidos políticos contra intervenções estatais.

O DEM ingressou com ação contra a nova regulamentação da TV por assinatura, sancionada, em setembro de 2011 pela presidente Dilma Rousseff, na Lei nº 12.485. Defendida pela Agência Nacional do Cinema (Ancine), a norma estabeleceu cotas para a programação, como, por exemplo, a determinação de que cada canal brasileiro tenha que cumprir o mínimo de três horas e meia diárias de produção nacional. As empresas que vendem pacotes de TV por assinatura também terão de seguir um mínimo de canais nacionais. De cada três canais, um deles deverá ser brasileiro.

Para o DEM, a norma discrimina a atividade econômica de estrangeiros e restringe o capital vindo de fora do país. Relator dessa ação e de outras duas sobre o assunto, o ministro Fux marcou audiência pública para discutir a imposição de cotas na TV por assinatura, em 18 e 25 de fevereiro.

Boa parte dos processos que tratam de intervenções em atividades empresariais teve a tramitação acelerada pelos ministros do STF, enquanto eles julgavam o mensalão, no segundo semestre do ano passado. É um sinal de que, mesmo atolado de questões políticas para decidir, o Supremo não se esqueceu dos casos empresariais e deve julgá-los a partir de 6 de fevereiro, quando fará a primeira sessão do ano.
Fonte:Valor Econômico, por Juliano Basile