Decisão da Justiça Federal exclui o ICMS do cálculo do Funrural
Um frigorífico do Estado de São Paulo conseguiu na Justiça o direito de excluir o ICMS do cálculo do Funrural. A decisão é a primeira nesse sentido que se tem notícia, desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) passou a considerar a contribuição social válida. A sentença também baseia-se na decisão da Corte que excluiu o ICMS do cálculo do PIS e da Cofins.
O frigorífico propôs mandado de segurança com pedido de liminar (nº 5000444-45.2017.4.03.6106) para afastar, principalmente, a cobrança de valores que não foram pagos antes da decisão do STF sobre o Funrural, segundo o advogado que representa a empresa, Marcelo Guaritá, do escritório Peluso Stupp e Guaritá advogados. Na decisão, o juiz da 4ª Vara Federal de São José do Rio Preto, Dasser Lettiére Junior, já analisa o mérito.
Por causa da jurisprudência anterior do Supremo sobre o Funrural, até o julgamento de 2017, era comum que produtores rurais não pagassem os valores referentes à contribuição social. Após mudança de entendimento, o frigorífico poderia ser responsabilizado por débitos do passado, apesar de não ser o contribuinte principal. Por essa razão, conforme o advogado, propôs mandado de segurança para, caso seja cobrado, o Fisco não inclua o ICMS na base de cálculo.
Na sentença, o magistrado cita a decisão do Supremo de 2014 que autorizou para um contribuinte a exclusão do ICMS da base de cálculo da Cofins. Por maioria, a Corte decidiu que um tributo não pode compor a base de incidência de outro. Em 2017, o Supremo julgou a mesma tese com repercussão geral e mantendo entendimento anterior.
O magistrado federal afirma na decisão que a lei, ao imputar o lançamento do Funrural sobre o faturamento sem excluir outro tributo que esteja incluído nele, fez surgir um imposto na base de cálculo da contribuição social. “O preço total da mercadoria engloba o ICMS, e não retirá-lo da base de cálculo seria homologar em nome da questão conceitual a injustiça de se cobrar contribuição social sobre impostos”, afirma.
Ao considerar a impossibilidade de incluir o ICMS no cálculo do PIS e da Cofins, o juiz entendeu não ser viável incluir o imposto estadual na apuração do Funrural. “Não é certo cobrar tributo sobre imposto. Não é certo não pagar tributos. Não é certo presumir que o empresário não paga ICMS. Não é certo fingir que a empresa fatura o imposto que vai ter que pagar para o Estado”, diz.
Para colocar a exclusão em prática, o magistrado sugere que a empresa lance nas notas fiscais de vendas, com destaque, o valor do ICMS. E faça o mesmo na escrituração contábil, permitindo a identificação do que deve ser abatido para obter a base de cálculo correta. A sentença afirma que a segurança foi concedida parcialmente, mas o pedido de retirada do ICMS do cálculo foi aceito.
Outras teses relacionadas ao Funrural e também sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo das contribuições sociais ganharam força após o STF decidir pela constitucionalidade do Funrural. “As discussões não eram levantadas porque se confiava que o Funrural era inconstitucional e quando o STF decidiu que a cobrança é válida, outras teses ligadas ao Funrural apareceram”, afirma Guaritá.
De acordo com o advogado, são as “teses-filhote” do Funrural, que não eram muito discutidas quando o entendimento majoritário era pela inconstitucionalidade da contribuição. “Era tamanha a certeza do setor de que o Funrural era inconstitucional que nem existia a preocupação com outras teses”, afirma.
O advogado Fabio Calcini, do escritório Brasil Salomão & Matthes Advocacia afirma que o tema ganhou força recentemente com a decisão do Supremo. “A maioria das usinas começou a entrar com ações no segundo semestre do ano passado”, diz.
Dentre as teses que ganharam força após o Supremo validar a cobrança do Funrural está a que trata da possibilidade de cobrança do Funrural de exportadoras indiretas, que usam empresas de trading. “Essas discussões estavam dormentes”, diz Calcini.
A decisão do STF sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins também deu força para os contribuintes em diversas “teses filhote” em outros tributos. Desde então, decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já excluíram o crédito presumido de ICMS da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e o ICMS da base da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB).
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirmou por meio de nota que pretende recorrer de todas as tentativas de “aplicação prematura ou de extensão indevida” quanto à decisão do Supremo sobre o ICMS na base do PIS e da Cofins.
A procuradoria ainda aguarda o julgamento dos embargos de declaração, por meio do qual pediu ao STF a modulação dos efeitos do processo julgado em 2017 com repercussão geral – e que servirá de orientação para outros casos iguais. A Fazenda pede no recurso que a decisão só tenha validade para o futuro e aguarde uma alteração legislativa.
“Se não há decisão definitiva do STF sequer com relação ao tema efetivamente apreciado, cumpre registrar que, com maior razão ainda, não há qualquer segurança quanto às potenciais chances de acolhimento, pela jurisprudência, das inúmeras tentativas de extensão da tese para outras controvérsias”, afirma a PGFN na nota.
A procuradoria espera que o Supremo julgue os embargos “o quanto antes”. Não há estimativa sobre o número de processos em que essa questão específica é discutida na Justiça. A Fazenda também não tem conhecimento de outras decisões sobre o Funrural desfavoráveis à União.
Fonte: Valor Econômico