Apple é acusada de ‘fugir’ de impostos
Investigadores do Congresso dos Estados Unidos acusaram a Apple, ontem, de evitar pagar bilhões de dólares em impostos ao redor do mundo ao explorar brechas tributárias americanas e usar duas subsidiárias irlandesas que, tecnicamente, não têm domicílio fiscal em nenhum país.
A subcomissão permanente de investigações do Senado americano divulgou um relatório de 40 páginas sobre a estrutura tributária internacional da Apple às vésperas de uma audiência que vai colocar a companhia de tecnologia americana sob um duro escrutínio político.
“A Apple buscou encontrar o Santo Graal da evasão tributária”, disse Carl Levin, político do Partido Democrata que preside a comissão e vai presidir a audiência. “A companhia criou organizações estrangeiras que administram dezenas de bilhões de dólares, ao mesmo tempo em que afirma que elas não têm sede em lugar algum, para fins de responsabilidade tributária.”
O relatório do Senado disse que o uso engenhoso, pela Apple, de brechas para reportar lucros de suas operações internacionais permitiu à companhia economizar US$ 44 bilhões nos últimos quatro anos. Mas membros da comissão disseram não haver nenhuma indicação de que a Apple tenha cometido ilegalidades ao tentar minimizar seu pagamento de impostos.
A Apple publicou seu próprio depoimento à comissão no início de ontem, negando usar “artifícios tributários” para reduzir seu recolhimento de impostos e afirmando ser a empresa que mais paga impostos no país, respondendo por US$ 1 em cada US$ 40 de impostos recolhidos no ano passado.
A empresa negou que a Apple Operations International (AOI), uma subsidiária irlandesa, seja uma “empresa de fachada”, argumentando que a companhia foi criada para administrar seu “fluxo mundial de recursos” e que as atividades da AOI não contribuem para uma redução dos impostos pagos pela Apple nos EUA.
A AOI gerou lucros de US$ 30 bilhões entre 2009 e 2012, mas não apresentou declarações de renda – seja ao fisco irlandês ou ao americano – nos últimos cinco anos. Fundada em 1980, a AOI realiza reuniões de seu conselho de administração nos EUA, mas não tem presença física nem funcionários no país.
A Apple também defendeu sua prática de transferir parte dos custos de suas atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) para a Irlanda, apesar de conduzir “praticamente todas” essas atividades nos EUA – uma técnica que, para a comissão, é um esquema de evasão de impostos. O arranjo é “permitido pela legislação americana e está em conformidade com todas as leis americanas”, disse a Apple.
A Apple é a terceira grande companhia de tecnologia americana a ser investigada pela comissão do Senado, depois da Microsoft e da Hewlett-Packard (HP). “Estamos colaborando com a subcomissão para responder às perguntas deles”, declarou a Apple, em comunicado divulgado antes da divulgação do relatório.
A censura em relação às práticas contábeis da Apple veio tanto de políticos do Partido Democrata quando do Partido Republicano. John McCain, principal republicano na subcomissão, afirmou a repórteres que a Apple orquestrou um esquema que era “chocante” e “ofensivo”.
“A Apple alega ser a companhia que mais paga impostos nos EUA, mas puramente devido a seu tamanho e escala também está entre as que mais evitam pagar impostos nos EUA”, disse John McCain, principal republicano na subcomissão. “Uma empresa que alcançou tamanho sucesso viabilizado pela engenhosidade americana e pelas oportunidades proporcionadas pela economia americana não deveria transferir seus lucros para o exterior com o objetivo de evitar o pagamento de impostos nos EUA, privando intencionalmente o povo americano de receita fiscais.”
Membros da comissão disseram que uma das descobertas mais surpreendentes é o uso de subsidiárias instaladas na Irlanda, que não tem domicílio fiscal em nenhum país, por meio das quais é canalizada grande parte dos lucros internacionais da Apple. Uma delas é a Apple Sales International, que praticamente não pagou nenhum imposto sobre vendas de US$ 74 bilhões entre 2009 e 2012. Em 2011, a companhia pagou US$ 10 milhões em impostos sobre um lucro de US$ 22 bilhões, o equivalente a um percentual de 0,05%, de acordo com a comissão.
A investigação com foco na Apple poderá desencadear um debate mais aprofundado sobre a estrutura da legislação tributária americana. O Congresso dos EUA e a Casa Branca estão discutindo uma possível redução da alíquota de imposto sobre as empresas americanas, que hoje é de 35%.
[A iniciativa do Senado] poderá estimular ainda mais a discussão sobre uma coordenação internacional para conter a evasão fiscal, que deverá ser um tema importante na próxima cúpula do G8, na Irlanda do Norte. (Tradução de Sergio Blum) Fonte:Valor Econômico, por James Politi e Richard Waters