Ambiente jurídico do país facilita gerenciamento de resultados
É remoto, possível ou provável? A decisão de colocar uma etiqueta em cada pendência fiscal, trabalhista ou cível – decisão que precisa ser tomada pelas empresas a cada novo balanço – não é simples como pode parecer. Essas três palavras têm poder.
Com uma simples opinião, a administração de uma empresa pode aumentar ou diminuir o resultado de um exercício. E é exatamente por isso que os acionistas precisam ficar de olho na resposta dos administradores.
“A conta de provisões dos balanços é cheia de subjetividades e a legislação complexa gera possibilidade altíssima de gerenciamento de resultados”, afirma Antônio de Cístolo Ribeiro, pesquisador da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP de Ribeirão Preto, em sua dissertação de mestrado.
Gerenciamento de resultado é a prática de usar brechas previstas nas regras contábeis para elevar ou reduzir o lucro de um determinado exercício, com o objetivo de satisfazer interesses de curto prazo da empresa ou da própria administração.
Foi justamente disso que uma acionista minoritária acusou a TIM, ao alegar que a empresa não estaria fazendo adequadamente suas provisões para contingências tributárias – o que a companhia nega categoricamente.
A acionista, JVCO Participações, do empresário Nelson Tanure, diz que levou o caso à Comissão de Valores Mobiliários e para a Securities and Exchange Commission (SEC), uma vez que a TIM tem recibos de ações negociados na Bolsa de Nova York.
Um dos conselheiros fiscais, Jorge Lepeltier também chamou atenção para o tema de contingências no balanço de 2011 da TIM, depois de notar que o total de disputas classificadas como de perda possível, para as quais não existe provisão, teria subido de R$ 3,1 bilhões para R$ 6,6 bilhões no intervalo de 12 meses.
A PwC, responsável pela auditoria externa da TIM, emitiu parecer sem ressalvas.
De fora, é impossível chegar a uma conclusão sobre o caso específico da TIM, embora a empresa de telefonia apresente de forma detalhada em seu balanço, em quase 15 páginas (o que é bem acima da média), uma lista dos principais processos em que é ré.
A decisão sobre constituir ou não provisão talvez seja uma das mais sensíveis dos balanços, envolvendo não apenas as incertezas ligadas ao Judiciário como também julgamentos do comando da empresa, de assessores jurídicos contratados para emitir laudos sobre os processos e dos auditores.
De acordo com o estudo do pesquisador da FEA-RP, que teve orientação da professora Dra. Maísa de Souza Ribeiro, a relação entre a conta de provisões e a de receita de um grupo de 343 companhias abertas no período de 2006 a 2010 variou entre 11,8% e 14,7%, sem nenhuma grande tendência de alta ou baixa. Na comparação com o total de ativos, a relação girou em torno de 5% a 6% nesse período.
Apesar da estabilidade dos percentuais, os índices mostram a relevância do assunto, que muitas vezes é negligenciado por investidores de curto prazo, mas que é observado com lupa em processos de fusões e aquisições.
A norma contábil que regula a constituição ou não de reservas para pagamento de perdas em processos judiciais já permite um certo grau de subjetividade, a que estão sujeitas todas as empresas que seguem o padrão contábil IFRS, usado em mais de cem países.
Conforme o CPC 25, diante de um processo judicial, a empresa deve avaliar se a chance de perda na disputa é provável, possível ou remota. Apenas no primeiro caso a empresa deve constituir provisão no balanço para cobrir as eventuais perdas que tiver. Se a perda for “possível” é preciso apenas divulgar a informação nas notas explicativas. No caso de a chance de derrota ser considerada remota pela empresa, nem sua divulgação é necessária.
Para deixar mais claro o que quer dizer com “provável”, o texto da norma diz que essa deve ser a classificação usada quando o risco de perder a disputa for maior do que a chance de ganhar – ou seja, qualquer probabilidade de perda acima de 50%.
É uma linha muito difícil de se traçar, mesmo com a ajuda de um matemático especialista em probabilidade.
Mas segundo o pesquisador Antônio de Cístolo Ribeiro, no caso brasileiro, e em especial na área tributária, a situação se torna mais preocupante. “Uma pendência que passe pela esfera administrativa e judicial pode demorar 16 anos ou até mais para ter uma decisão final. Como o prazo é muito longo e a jurisprudência muda muito, abre-se uma área especial para gerenciamento de resultados”, afirma Ribeiro.
Ao checar o balanço de uma empresa, os auditores dedicam especial atenção para as contingências. Mas quem elabora o balanço é a própria companhia.
Sem uma solução negociada, existe a possibilidade de o auditor colocar uma ressalva no parecer. Mas essa tampouco é uma decisão fácil. “Para o auditor fica difícil, primeiro porque ele está falando com o cliente que o contrata. Além disso, uma decisão subjetiva sempre pode ser discutida”, afirma.
Em seu estudo, o pesquisador relata alguns tipos de gerenciamento de resultados envolvendo disputas tributárias.
Após receber um auto de infração em um ano de resultados operacionais ruins, mesmo sabendo que deve perder a causa, a empresa pode entrar com recurso e obter um laudo de um advogado que diga que a chance de perda na disputa é apenas possível, e não é provável. Assim, a empresa pode postergar a realização da provisão para um ano em que tiver uma folga no balanço.
Em outro caso, a empresa pode entrar com o recurso com a expectativa de que o governo crie um programa para pagamento de tributos em atraso, do tipo Refis, que ocorre com certa regularidade no país. “Aí ela tem a opção de pagar a dívida com desconto, de forma parcelada ou até mesmo de ser perdoada”, diz.
Uma terceira forma de gerenciar os resultados é fazer o contrário. Ser mais conservador e constituir provisões além do que seria o necessário em determinado momento para poder revertê-las e melhorar o resultado de um ano menos favorável no futuro. Fonte:Valor Econômico, por Fernando Torres