201705.04
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Acordo trabalhista atrai investimentos, diz Volks

À primeira vista, um contrato de exportação de motores de carros nada teria a ver com reforma das leis do trabalho. Mas na Volkswagen, que há anos cultiva a prática de negociar exaustivamente com os sindicatos de trabalhadores, há ligações profundas entre os dois temas. Segundo a empresa, acordos trabalhistas mais flexíveis conferem segurança para investir no desenvolvimento de novos produtos e, assim, ajudam a companhia a comprometer-­se com clientes do mercado externo. Este ano, pela primeira vez, a montadora alemã conseguiu fechar acordos longos, com duração de cinco anos, em todas as suas quatro fábricas do país. A principal característica desses entendimentos é a flexibilidade em vários termos, como ajuste salarial e jornada. Sem confrontos no front trabalhista a empresa comemorou ontem um novo contrato para envio de um grande lote de motores para o México até 2020.

Já faz alguns anos que a Volks optou pelos acordos trabalhistas mais longos como forma de ter previsibilidade para seus investimentos, afirma o vice­-presidente de Recursos Humanos, Nilton Junior. Esse processo começou com o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, onde está a sua maior fábrica do país. O modelo ampliou­-se, depois, para outras fábricas, como a de São Carlos (SP), que produz motores e, agora, na renovação dos contratos, acordos de cinco anos foram fechados também com Taubaté (SP) e São José dos Pinhais (PR). Esses contratos envolvem 16,5 mil empregados.

O executivo diz que esse tipo de debate só é possível onde existe, como ele diz, “sindicalismo na essência, que produz resultados”. No caso da Volks, as negociações não são fáceis. Nem muito menos curtas. Em São Bernardo do Campo, no ABC, a última negociação para renovação do contrato válido até 2021, levou 200 horas.

É claro que a crise também empurrou o trabalhador para negociações nas quais ele teve de abrir mãos de benefícios. Os empregados da fábrica de São Bernardo, aceitaram, segundo o Sindicato dos Metalúrgicos, abrir mão de ajuste salarial de acordo com a inflação, em troca de um abono fixo. Na mesma convenção coletiva, o adicional noturno foi reduzido de 25% para 20%. O reajuste com base na inflação voltará nos próximos anos, segundo o sindicato.

Nas longas discussões com sindicatos, a Volks também buscou garantir flexibilidade das jornadas. Isso vale tanto para tempos de vendas aquecidas, quando as horas extras são guardadas nos chamados bancos de horas, como em tempos de crise, quando a saída, para evitar demissão, é recorrer a diversas ferramentas. Um dos mais utilizados na Volks é o Programa Seguro-­Desemprego, que prevê redução de até 30% na jornada de trabalho e 15% nos salários.

No ano passado, a Volks anunciou que tinha um excedente de 3,6 mil trabalhadores em São Bernardo. Por meio de um Plano de Demissões Voluntária conseguiu eliminar 1,33 mil postos, segundo informações do sindicato. O restante do excedente foi compensado com o PSI e suspensão temporária do trabalho ­ conhecida no Brasil como “layoff”.

“Após centenas de horas de negociação vemos as vantagens do acordado sobre o legislado”, diz vice-presidente da Volks.

Embora a manutenção do emprego esteja em jogo nas novas negociações, Nilton diz que é errada a ideia de que o trabalhador abre mão de conquistas passadas simplesmente para não ser demitido. Para ele, o raciocínio vai além: “Estamos falando que a fábrica onde ele trabalha vai atrair investimentos em novos produtos e passar a oferecer emprego de qualidade”.

Como outras montadoras, a Volks está atenta a não perder o mercado externo. Para Nilton, as negociações trabalhistas têm muito a ver com o fato de a fábrica de motores de São Carlos ter sido escolhida, entre as operações da marca no mundo, para exportar motores que vão equipar os modelos Jetta, Golf e Variant produzidos no México. O contrato prevê envio de 250 mil motores para a fábrica da Volks no município de Puebla, entre o segundo semestre de 2017 e 2020.

Durante evento em São Carlos, o presidente da Volks para a América do Sul, David Powels, anunciou que o contrato para o mercado mexicano exigiu investimento de R$ 50 milhões, que se soma ao plano de R$ 460 milhões já anunciados para a modernização da fábrica, que também abastece todas as fábricas Volks no Brasil.

A Volkswagen é tradicionalmente a maior exportadora do setor automotivo. No primeiro trimestre, a montadora registrou um aumento de 102% no volume embarcado (47,9 mil veículos) na comparação com o mesmo período do ano anterior. Esse volume equivale a 27,8% dos embarques de toda a indústria automobilística no mesmo período.

“Ter a flexibilidade para planejar volumes conforme as demandas nos dá segurança”, afirma Nilton. A experiência nas negociações com os empregados não livrou a Volks de ações na Justiça. Nilton acredita, no entanto, que a reforma trabalhista tende a dar mais visibilidade a esse tipo de relação com os empregados e o modelo Volks poderá inspirar outras empresas.

“Há quem ache que não ter esse tipo de relacionamento é mais fácil. Mas depois de centenas de horas de negociações percebemos as vantagens que o acordado tem sobre o legislado”, diz. “Uma assembleia na qual comparecem mais de 6 mil empregados é o que dá legitimidade ao processo”.

Fonte: Valor Econômico, por Marli Olmos