A validade dos contratos hospitalares em atendimentos de urgência
Por Theonio Freitas em co-autoria com Flávia Gazar – Núcleo de Direito Médico Escritório Torres e Pires Advogados Associados.
Os contratos firmados por pessoas capazes, com objeto lícito e forma não proibida por lei nem sempre são válidos. Isto porque há a possibilidade de que o contrato tenha sido firmado na presença de algum vício de consentimento.
Há vicio de consentimento em situações em que a vontade de um dos contratantes não foi expressa de maneira livre e consciente em determinado negócio jurídico, seja por uma interpretação equivocada deste contratante, seja por indução da outra parte ou pelas circunstâncias do caso concreto. Nesses casos, o contrato poderá ser posteriormente anulado.
Um desses vícios de consentimento, que se verifica pelas circunstâncias do caso concreto, é o estado de perigo, que ocorre quando alguém, premido da necessidade de salvar a si mesmo ou a outra pessoa de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa. É necessário, para a configuração do estado de perigo, que a outra parte estabeleça, propositadamente, contraprestação excessiva, aproveitando-se da necessidade do contratante.
Neste contexto, é comum que se alegue a existência de vício de consentimento nos contratos celebrados para viabilizar atendimento médico emergencial. Nesses casos, o paciente ou o seu responsável se veem premidos pela necessidade de salvar uma vida, sendo exigido a assinatura de contrato de prestação de serviços médicos e um termo de responsabilidade pelas despesas hospitalares (caso o paciente seja acompanhado por um responsável).
No entanto, a mera necessidade do contratante, como já mencionamos, não é suficiente para a configuração do estado de perigo (vício de consentimento que torna o negócio jurídico anulável), sendo necessário que a outra parte, agindo de má-fé, imponha obrigação excessiva ao contratante.
Nesse sentido, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1680448/MG, datado de 22 de agosto de 2017, sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi, entendeu ser devida a cobrança de conta hospitalar decorrente de atendimento emergencial, mesmo que o seu pagamento exigisse um sacrifício patrimonial por parte do contratante.
No referido julgado, afirmou-se que a configuração do estado de perigo exige a ocorrência de obrigação excessivamente onerosa, a qual não é necessariamente depreendida do mero sacrifício patrimonial de alguém, visto que conscientemente realizado na busca pelo resguardo da própria integridade física, ou de familiar.
A Terceira Turma do STJ observou ainda que atividades empresariais voltadas ao atendimento de pessoas em condição de perigo, como se dá com as emergências de hospitais particulares, não podem ser obrigadas a suportar o ônus financeiro do tratamento de quem necessite, pois esse é o público-alvo desses locais.
Sendo assim, não há que se falar em vício de consentimento nos contratos hospitalares de emergência, uma vez que a cobrança neste caso representa contraprestação justa e usualmente paga pelos esforços realizados para a manutenção da vida.