A emenda constitucional referente aos empregados domésticos: dúvidas frequentes
Por Ana Paula Didier Studart
A Emenda Constitucional 72, que iguala os direitos trabalhistas dos trabalhadores domésticos com os dos outros trabalhadores, foi publicada no dia 03.04.2013 no Diário Oficial da União, passando a valer a partir dessa data. A emenda foi aprovada por unanimidade pelo Senado em 26 de março e foi promulgada no dia 02.04, tendo sido publicada no dia 03.04.2013. Diante desse novo panorama no país e dos conseqüentes direitos oriundos da referida emenda constitucional, diversos questionamentos e dúvidas surgiram tanto para os empregadores como para os empregados, tendo este artigo o objetivo de abranger as perguntas mais frequentes.
Primeiramente, é importante esclarecer quem é considerado trabalhador doméstico: aquele maior de 18 anos, que presta serviços de natureza contínua (freqüente, constante) e de finalidade não-lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, conforme estabelecido na Lei n. 5859/72. Assim, o traço diferenciador do emprego doméstico é o caráter não-econômico da atividade exercida no âmbito residencial do empregador. Nesses termos, integram a categoria, dentre outros: cozinheiro, governanta, babá, lavadeira, faxineira, vigia, motorista particular, jardineiro, acompanhante de idosos, mordomo, copeira, cuidador em saúde. O caseiro também é considerado trabalhador doméstico quando o sítio ou local onde exerce sua atividade não possui finalidade lucrativa.
Além disso, cumpre esclarecer os direitos garantidos pela Emenda com vigência imediata, constantes do artigo 7º da Constituição Federal, quais sejam: salário mínimo; irredutibilidade de salário; garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável; décimo terceiro salário; proteção do salário na forma da lei; duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e 44 horas semanais – facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho- ; repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal; gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; licença à gestante, sem prejuízo de emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; licença paternidade; aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias; redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; aposentadoria; reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor, ou estado civil; proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência; proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos.
É importante ressaltar e esclarecer que os direitos garantidos pela Emenda Constitucional n. 72 de 2013 não são retroativos. Eles entraram em vigor na data da publicação da Emenda, em 03 de abril de 2013, exceto aqueles que ainda dependem de regulamentação, quais sejam: relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa; seguro desemprego, em caso de desemprego involuntário; Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS; remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; salário família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda; assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas; seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.
Conforme já exposto, com as mencionadas mudanças e inovações da Emenda Constitucional, muitas dúvidas e indagações surgiram, principalmente por parte dos empregadores. Dentre as mais comuns, estão questões relacionadas a jornada de trabalho e o seu controle necessário a partir de agora, horas extras, contrato de trabalho e possíveis descontos a serem efetuados no salário dos empregados.
No que diz respeito a jornada de trabalho, é importante esclarecer que é possível estender a jornada de trabalho cumprida pelo(a) empregado(a) de segunda a sexta-feira além das oito horas diárias e não trabalhar no sábado. Contudo, é extremamente importante que a compensação seja feita por escrito. Se vai existir uma jornada na qual as horas do sábado serão diluídas durante a semana, é necessário que o empregador e o empregado estejam cientes da exata duração da jornada em cada dia. Um exemplo possível é o da diluição igual em todos os dias, quando o trabalhador poderá trabalhar 8hrs e 48 minutos de segunda a sexta-feira, totalizando 44 horas semanais. Outra possibilidade é trabalhar 9 horas de segunda à quinta-feira e 8 horas na sexta-feira, totalizando as mesmas 44 horas semanais.
É importante ressaltar que o horário de almoço não está incluído nas 8 horas diárias e 44 semanais previstas na jornada de trabalho. A jornada engloba apenas as horas que são destinadas ao trabalho. Os intervalos de descanso não são computados na jornada de trabalho, salvo previsão legal expressa. E sobre este descanso, vale dizer que por analogia ao previsto na CLT e enquanto não vier regulamentação especifica, este deve ser de, no mínimo, 01 (uma) hora e, no máximo, duas horas.
Tem sido muito comum e recorrente o questionamento acerca da possibilidade do trabalhador doméstico não querer usufruir do descanso de no mínimo uma hora e, no máximo, duas horas, quando a jornada é de oito horas, para “levar direto” e poder sair mais cedo do trabalho. Nesse caso, os empregadores precisam estar atentos e saber como proceder. Até que haja lei específica definindo a situação, é importante ter em mente que o descanso intrajornada visa à proteção da saúde do trabalhador, não podendo, assim, ser objeto de livre disposição, ou seja, mesmo que o trabalhador deseje suprimir o descanso, é dever do empregador concedê-lo e, se porventura não o fizer, correrá o risco de, no futuro, ser acionado judicialmente e obrigado a pagar o período como se fosse extra.
Outra pergunta freqüente diz respeito a situação das empregadas, dos caseiros e de outros trabalhadores domésticos que moram ou pelo menos dormem durante a semana no local de trabalho e estão a disposição do empregador. Nesses casos, o importante será sempre poder aferir se esses trabalhadores estão de fato submetidos aos limites da jornada diária e semanal, não sendo demandados para qualquer tipo de trabalho após o encerramento da jornada que poderá tão somente ser acrescida, excepcionalmente, de até duas horas extras. Como recomendação aos empregadores, é relevante que evitem fazer qualquer tipo de solicitação que venha a retirar o trabalhador doméstico de seu descanso.
No caso de demandar serviços das empregadas, dos caseiros e de outros trabalhadores domésticos que moram ou, pelo menos, dormem durante a semana no local de trabalho, após o cumprimento das horas normais de trabalho, o pagamento das horas suplementares deve ser correspondente ao valor da hora normal de trabalho, acrescido de cinqüenta por cento (50%).
É importante informar que é possível celebrar contrato com trabalhador doméstico com jornada reduzida, como, por exemplo, jornada diária de 6 horas, de segunda-feira a sábado, computando 36 horas semanais. Contudo, essa condição deverá ser anotada na parte de Anotações Gerais da CTPS do trabalhador doméstico. Em casos de seis horas diárias, como em qualquer trabalho contínuo, cuja duração seja superior a quatro e não exceda seis horas, é obrigatório um intervalo de 15 minutos.
Em todos os casos, a jornada deverá ser estabelecida entre trabalhador e empregador, não sendo obrigatório o controle de jornada do trabalhador doméstico, da mesma forma que a jornada de trabalhadores em empresas comuns que só são obrigatórios os controles de ponto de forma manual, mecânica ou eletrônica, a partir de 10 trabalhadores. Contudo, é importante que haja o registro, para que não restem dúvidas entre as partes, no que diz respeito o cumprimento da jornada. Além disso, por tratar-se de uma situação nova, em que ainda não é possível saber o entendimento dos Tribunais Trabalhistas, é sempre bom prevenir e ter em mãos a documentação que comprove o cumprimento da legislação trabalhista.
Com relação as horas extras, também tem sido freqüente perguntas a respeito da possibilidade de fazer o contrato de trabalho com o trabalhador prevendo horas extras habituais. É importante esclarecer que as horas extraordinárias, como o próprio nome já diz, são excepcionais, isto é, fora do ordinário. Nesse sentido, o correto e indicado é que o contrato se limite a prever a jornada de 8 horas diárias e 44 semanais. Na eventualidade de serem prestadas horas extraordinárias, o importante é que elas sejam apuradas e pagas, sempre com base naquilo que aconteceu na realidade, não podendo ultrapassar duas horas diárias.
O cálculo do valor da hora extra, no caso da jornada de 44 horas semanais deve ser feito se utilizando do valor do salário mensal (bruto) dividido pelo número de horas mensais (220 horas). O valor encontrado será o valor correspondente a uma hora normal que deverá ser acrescido de 50% sobre este valor. O resultado é o que corresponde a uma hora extra. Assim, por exemplo, se o trabalhador doméstico ganha o salário-mínimo, atualmente de R$678,00, o valor da hora extra será esse total (R$678.00) dividido por 220, obtendo-se então o valor de R$3,08 como sendo o da hora normal. Esse valor, então, deverá ser acrescido de 50% totalizando R$4,62 para cada hora extra prestada.
No que tange o contrato de trabalho, muitas dúvidas estão surgindo. Primeiramente é importante esclarecer que é possível celebrar contrato de experiência com trabalhador doméstico, para que o empregador possa avaliar sobre a continuidade ou não do vínculo. Esse reconhecimento da possibilidade do contrato de experiência tem se dado, inclusive, no âmbito do Poder Judiciário. Vale recordar que o contrato de experiência não poderá exceder o prazo total de 90 dias e deverá ser anotado, desde o início da relação, na CTPS, na página de Anotações Gerais.
Com relação aos possíveis descontos a serem efetuados no salário dos empregados domésticos muitos questionamentos também vêm sendo feitos. Talvez a maior e mais comum dúvida diga respeito a possibilidade de ser descontado do salário valores relativos a moradia, alimentação, vestuário ou higiene. Pare responder essa pergunta é importante ressaltar que antes mesmo da Emenda Constitucional n. 72 de 2013, a edição da Lei n. 11.324/2006, que alterou a Lei n. 5859/72, dispôs que “poderão ser descontadas as despesas com moradia quando essa se referir a local diverso da residência em que ocorrer a prestação de serviço, e desde que essa possibilidade tenha sido expressamente acordada entre as partes”. Portanto, em regra geral, não pode ser efetuado desconto à título de moradia, alimentação, vestuário ou higiene, existindo essa possibilidade apenas nas hipóteses previstas acima.
Ainda no que diz respeito aos descontos, vale dizer que a falta ao trabalho sem justificativa legalmente permitida poderá ser descontada do salário. Além disso, a falta injustificada ao serviço acarretará repercussão no número de dias de férias a que o trabalhador tem direito.
Outro tema que vêm causando muitas dúvidas é o FGTS. Primeiramente é importante dizer que, com a Emenda Constitucional n. 72/2013, passou a ser obrigatório o recolhimento do FGTS pelo empregador doméstico. O direito a ter conta vinculada tem por objeto proteger o trabalhador doméstico, garantindo a formação de reserva financeira, cujos recursos poderão ser utilizados em momentos importantes da sua vida, como nos casos de despedidas sem justa causa, aquisição ou construção da casa própria, e outras situações previstas na Lei 8030/90.
Contudo, vale ressaltar que o recolhimento do FGTS não será retroativo à data de admissão. A obrigação de recolhimento do empregador de depositar os recursos do FGTS na conta vinculada do seu trabalhador doméstico passará a ser exigida somente após a regulamentação da Emenda Constitucional n. 72/2013. O percentual de recolhimento do FGTS é de 8% sobre a remuneração do trabalhador. Isso inclui salário, férias, 13º salário, horas extras, aviso-prévio, trabalho noturno e outros adicionais.
Além disso, cumpre afirmar que o trabalhador doméstico pode verificar se os depósitos do FGTS estão sendo realizados regularmente. O trabalhador doméstico com recolhimento FGTS pode e deve acompanhar a movimentação da sua conta vinculada no FGTS, incluindo a verificação dos créditos dos depósitos realizados pelo empregador e outras movimentações. As informações sobre o recolhimento devem constar do recibo de pagamento salarial. O trabalhador doméstico receberá bimestralmente extrato informativo da conta vinculada ou poderá consultá-lo on-line no site da CAIXA (www.caixa.gov.br/fgts) ou no do FGTS (www.fgts.gov.br). O trabalhador doméstico pode, ainda, optar por receber as informações do seu Fundo de Garantia por mensagem de texto direto no seu celular, após a adesão no sítio do FGTS.
Para preencher a Guia de Recolhimento FGTS são necessários os dados de identificação do empregador: Número da Matrícula CEI, Nome, Endereço e dados referentes à remuneração do trabalhador, bem como informação do número de inscrição PIS/NIS/NIT, Admissão, CTPS e Data de Nascimento. O trabalhador doméstico é identificado no sistema do FGTS pelo número de inscrição no PIS-PASEP ou pelo Número de Inscrição do Trabalhador no INSS (NIT).
No que tange ao INSS, caso o empregador doméstico ainda não possua o cadastro CEI, previamente ao primeiro envio das informações, deverá se cadastrar no CEI – Cadastro Específico do INSS, na categoria especial de “Empregador doméstico”. A matrícula CEI poderá ser feita pela internet no endereço http://www2.dataprev.gov.br/ceiweb/index.view.
Vale dizer que não é necessário que o empregador tenha o Certificado Digital padrão ICP-Brasil para recolher os encargos trabalhistas. Somente no caso do empregador doméstico optar por realizar o recolhimento do FGTS via SEFIP, será necessário possuir o Certificado Digital padrão ICP-Brasil,conforme previsto na legislação vigente.
Têm sido cogitado pela comissão mista criada no Congresso para regulamentação da Constituição, a criação de um regime tributário diferenciado: uma espécie de “super simples” para recolhimento de todas as contribuições devidas por empregadores de trabalhadores domésticos.
O Simples Nacional ou Super Simples é um regime compartilhado de arrecadação, cobrança e fiscalização de tributos aplicável às microempresas e empresas de pequeno porte. A ideia da proposta é reunir todas as contribuições devidas em uma só, para facilitar o recolhimento das contribuições previdenciárias.
Novas regras para trabalhadores domésticos:
O QUE ESTÁ VALENDO:
– Garantia de salário, nunca inferior ao mínimo;
– Proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção;
– Jornada de trabalho de até oito horas diárias e 44 semanais;
– Hora extra de, no mínimo, 50% acima da hora normal;
– Redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
– Reconhecimento dos acordos coletivos de trabalho;
– Proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
– Proibição de qualquer discriminação do trabalhador deficiente;
– Proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos e de qualquer trabalho e a menores de 16 anos, exceto aprendizes (14 anos).
O QUE PRECISA DE REGULAMENTAÇÃO:
– Proteção contra demissão arbitrária ou sem justa causa;
– Seguro-desemprego;
– FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço);
– Adicional por trabalho noturno;
– Salário-família;- Assistência gratuita a dependentes até cinco anos em creches e pré-escolas;
– Seguro contra acidentes de trabalho.
Clique aqui e baixe uma minuta de contrato doméstico Fonte:Torres e Pires – Advogados Associados