Atuação de estudante no SUS divide especialistas
A proposta do governo federal de obrigar os estudantes de medicina a trabalhar dois anos no Sistema Único de Saúde divide especialistas em Direito Constitucional. De um lado há quem argumente que a proposta viola o livre exercício profissional. De outro, que o programa do governo atende aos princípios constitucionais da solidariedade e da diminuição das diferenças regionais.
A regra faz parte do Programa Mais Médicos, instituído pela Medida Provisória 621, publicada no Diario Oficial da União desta terça-feira (9/7). Ela vale para quem ingressar nos cursos de medicina a partir de 2015. Chamada de “treinamento em serviço” pelo governo, a medida é criticada por entidades médicas, que vêm nela uma espécie de “serviço social obrigatório”.
Para o professor de Direito Constitucional da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap) Gustavo Rene Nicolau, a proposta do governo é uma “afronta aos direitos individuais”, assegurados na Constituição. “Você não pode obrigar alguém a trabalhar em determinado local, salvo nas hipóteses que a Constituição determina”, afirma.
Nicolau compara a obrigação imposta aos médicos a possíveis mudanças em outras profissões: “Obrigar um médico a trabalhar no SUS é como obrigar um advogado formado trabalhar na Procuradoria”. Segundo ele, essa proposta não poderia ser regulada nem mesmo por Emenda Constitucional. “Ela violaria o direito individual ao trabalho e até à liberdade”, diz.
Já para o advogado Rodrigo Mascarenhas, conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro, a medida tem amparo legal, pois estaria de acordo com os preceitos do artigo 3º da Constituição Federal, que colocam como objetivo da República “construir uma sociedade livre, justa e solidária” e “reduzir as desigualdades sociais e regionais”.
Na avaliação dele, a proposta é semelhante às exigências de estágio no mundo jurídico e da própria residência médica no âmbito na medicina. “A residência é um ônus que o estudante de medicina já tem e ninguém diz que é um absurdo”. Mascarenhas diz que a modificação nos cursos de medicina está sendo feita com antecedência, assim quem ingressar nos cursos já saberá das regras do jogo. “O sujeito pode aceitar ou não. Quem não quer ser obrigado, não faça medicina”.
Para a professora Ana Paula Barcellos, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a proposta também tem respaldo na legislação, uma vez que a União tem competência para disciplinar a formação profissional. “A exigência dos dois anos de serviços ao SUS para os futuros novos alunos dos cursos de medicina seria uma etapa dessa formação”.
Ela ressalta, porém, que o SUS tem diversos problemas que não serão resolvidos apenas com mais médicos. “Seria importante haver um debate mais amplo acerca dessas outras questões, com os diversos setores envolvidos, para que a eventual existência de mais médicos possa vir a surtir os efeitos desejados”, defende.
A atuação dos estudantes de medicina no SUS foi anunciada nesta segunda-feira (8/7) pelo governo federal e gerou forte reação de entidades médicas. Em nota, a Associação Médica Brasileira, a Associação de Médicos Residentes, o Conselho Federal de Medicina e a Federação Nacional dos Médicos afirmam que as propostas do governo “carecem de âncoras técnicas e legais” e que nos próximos dias será feito um “questionamento jurídico” da iniciativa. Fonte:Conjur, por Elton Bezerra